terça-feira, 11 de março de 2008

"Senhores do crime"

O título original, algo como “promessas orientais”, alude ao drama dos imigrantes envolvidos com o crime organizado. Vivem em Londres e são russos, mas pouco mudaria se vivessem em qualquer capital do mundo e fossem japoneses, ou cubanos. O imbecil título em português, como sempre, reduz o foco para o gosto das platéias ávidas por sangue.
O filme, dos melhores de David Cronenberg, possui algumas de suas marcas: a temática do herói trágico, preso a um destino inexorável, certo apreço pela escatologia, apuro visual, grande direção de atores e, lamentavelmente, um texto pouco engenhoso, que desperdiça algumas oportunidades narrativas.
A obra de Cronenberg possui uma nítida distinção entre os filmes sobre metamorfoses, monstruosidades e aberrações, de estética surrealista, e os dramas soturnos, hiper-realistas, que esmiuçam o estranhamento do absurdo cotidiano. “Senhores do crime” pertence à segunda tipologia.
É uma análise sobre a criminalidade, extensão européia de “Marcas da violência” (2005), seu trabalho anterior. Mas o impagável dialeto utilizado pelos atores (mistura de inglês britânico e vários idiomas da antiga União Soviética) também reflete sobre a incomunicabilidade, questionando o cosmopolitismo dos grandes centros europeus.
“Senhores”, como o filme predecessor, atiça os preconceitos das platéias. Os vilões mais repugnantes possuem uma humanidade e uma capacidade de sedução incômoda, que nos faz cúmplices. E, por todos os lados, as aparências revelam-se meras fantasias, que tomam feições variadas, de acordo com nossa conveniência. Mal e Bem se interpenetram, se equivalem e anulam.
A violência é quase literalmente pornográfica, chocante, mas as interpretações são contidas e a fotografia, belíssima, granulada, em cores suaves, imerge tudo num aconchego incompatível com os horrores sugeridos. Viggo Mortensen e Armin Mueller-Stahl estão fabulosos. A já famosa seqüência de luta na sauna é de fato antológica.
Há muito a especular sobre a importância do organismo na obra de Cronenberg. Aqui, sua presença é ostensiva. Dependendo do enfoque, “Senhores” também pode se tornar um filme sobre o corpo humano, sua pujança, sua beleza, sua transformação (nas metáforas das tatuagens e das violentas mutilações) e sua decadência inexorável.

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