terça-feira, 16 de setembro de 2008

O mito da privacidade

Há cerca de onze anos, um amigo ouviu-me conversando ao celular a quilômetros de distância. Ele usou uma traquitana feita com papel alumínio e a antena de um antigo rádio amador. Não chegou a gastar um centavo para realizar a brincadeira.
A gritaria em torno do suposto grampo envolvendo o presidente do STF e um senador deve ser compreendida no contexto do desgaste vivido pelas instituições que abrigam ambos os personagens, que têm lá seus motivos para alimentar factóides.
As autoridades são espionadas desde tempos imemoriais. É verdade que o desmanche do antigo SNI da ditadura levou muitos arapongas à espionagem privada, mas nem o aparato estatal deixou de existir, nem as empresas do ramo nasceram ali. Investigações mais ou menos clandestinas são rotineiras no mundo das grandes corporações, vitimando não apenas os concorrentes, mas também os próprios funcionários das contratantes.
O equipamento necessário para escutar conversas alheias, como demonstra a experiência, é ínfimo e acessível. Essa novela das maletas caríssimas, dos microfones ultra-sensíveis e de outras tecnologias de ficção científica não passa de fumaça para esconder a constrangedora obviedade.
Quem são aqueles homens sem uniforme ou qualquer identificação, que vemos amiúde nas calçadas ou entradas de prédios, sentados junto a centrais telefônicas, com fones de ouvido? Alguém já ousou interpelá-los, pedir referências, indagar seus motivos?
O que de fato acontece quando baixamos uma atualização do navegador ou de qualquer programa permanente de nossos humildes computadores? Que informações trocamos com o éter quando percebemos que, sem qualquer comando, nossas conexões de banda larga permanecem ativas?
Tais perguntas são tratadas como delírios conspiratórios porque a fantasia da segurança coletiva torna tudo mais suportável e cômodo. Não queremos admitir que vivemos vulneráveis às ações de todo tipo de banditismo invisível, contra o qual pouco ou nada podemos fazer. Por isso inventamos esses espiões de gibi, que, julgamos, não gastariam fortunas para investigar pobres mortais sem grana. Será mesmo?
Com todo o respeito, se autoridades poderosas e influentes julgam que podem falar em seus celulares à vontade, ou elas são muito ingênuas ou fingem sê-lo. Eu, que sou bobo, tomo minhas precauções há pelo menos onze anos.

Um comentário:

CrápulaMor disse...

Eu acho que alguns setores inventam esses "espiões de gibi", quando precisam desqualificar o seu trabalho. Todo esse ranço contra a Abin e a PF surgiram exatamente após a prisão do Daniel Dantas. Esses grampos revelados pela Veja surgiram depois, estrategicamente, para reforçar o coro.

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