segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Um festival Jean Renoir

Ao longo dos anos, reuni gravações esparsas de filmes de Jean Renoir exibidos nos canais pagos. Conhecia apenas “A cadela” (1931), cuja exibição promovi na saudosa Cinemateca Campineira, e o clássico “A regra do jogo” (1939). Meses atrás, atualizando as pendências cinematográficas, surpreendi-me com os onze títulos atingidos pelo despretensioso acervo dedicado ao mestre. E decidi encará-lo.
Renoir (1894-1979) pertenceu à geração dos pioneiros, cujas biografias se confundem com a maturação da própria linguagem cinematográfica. Começou com filmes mudos, conheceu o apogeu nos anos 30, fugiu do nazismo para uma irregular passagem pelos EUA e finalizou carreira na França natal, já consagrado. Os autores da Nouvelle Vague o adoravam, François Truffaut especialmente (dele roubei o título acima).
Filho do afamado pintor impressionista Auguste Renoir, Jean herdou o amor pela representação da natureza, que, graças à restrição do preto e branco, resultou em espetáculos de gradações luminosas, enquadramentos complexos e audaciosos e longas panorâmicas contemplativas. “Toni” (1935), o maravilhoso “Um dia no campo” (1936) e “O segredo do pântano” (1941), filmado nos EUA, são exemplos dessa excelência.
Um olhar de paisagista permeia toda a obra de Renoir, mesmo em filmes de temática urbana. Mestre das filmagens externas, ele nos conduz a viagens históricas pelas cidades francesas, especialmente Paris e seu amado Montmartre, bairro boêmio e antigo refúgio de artistas.
Enquanto cineastas contemporâneos mantinham as ações num único plano, paralelo à tela projetada, como no palco, Renoir foi um desbravador da profundidade de campo. Sempre elaborou tomadas com diferentes planos de ação, conferindo uma riqueza narrativa e de ambientação raríssimas mesmo na atualidade. Os exemplos são inúmeros: a garota ao piano (“A cadela”), as irmãs nos balanços (“Um dia no campo”), os convidados indo e vindo nos corredores do castelo (“A regra do jogo”), etc.
Renoir é um cineasta de seqüências marcantes e interpretações antológicas. Praticamente todo filme seu possui uma espécie de trecho-síntese, que perdurará na memória do espectador: a caçada de “A Regra do jogo”, a picada de vespa ou a explosão da pedreira em “Toni”, a abertura de “A Besta humana”, o espetáculo final de “French Cancan”. E é praticamente impossível imaginar os inesquecíveis Michel Simon ou Jean Gabin em papéis criados por outros cineastas.
Mas há também muita condescendência com certos malogros do mestre, que não parecia temer desafios, mas nem sempre os superava. Seu “Madame Bovary” (1933) é sofrível e “A Carruagem de ouro” (1953), apesar de La Magnani, permanece inexplicável. Não obstante, parte da crítica ainda venera essas obras, talvez porque o diretor, mesmo quando fracassava, o fazia com suprema dignidade.
O fato cruel é que Renoir, visto hoje, sem paixões nem preconceitos, representa um mundo perdido e irrecuperável. Mesmo seu escancarado mundanismo só pode ser dimensionado com a ajuda da historiografia. Sim, Renoir tem uma divertida fixação por triângulos amorosos, amantes e prostitutas. Podemos louvar-lhe a coragem de exibir tantas safadezas e fazê-las inofensivas, inclusive quando (mal) dissimuladas; mas também somos obrigados a admitir que hoje elas parecem brincadeiras ingênuas, pudicas ou tolas, que talvez o público atual seja incapaz de compreender.
Lamentavelmente, essa conclusão também vale para a honradez, o rigor moral e a preocupação social, que perpassam toda obra do diretor. Azar nosso.

Um comentário:

Anônimo disse...

Nada a ver com o cimena frances, mas achei "1900" na internet --todo cortado e despedacado, no entanto, nao eh o que assistimos no Brasil. Eh simplesmente fantastico, especialmente pra um filme que mostra pedofilia duas vezes e o unico nu frontal de De Niro jamais filmado. Em 4 partes:
http://v.ku6.com/show/_jmvP6vR111l7wnE.html
http://v.ku6.com/show/ks5rrB6tvbVKitNI.html
http://v.ku6.com/show/EoNtRaAY0_X8TY5C.html
http://v.ku6.com/show/xI6ZwCpcZfxEIcvp.html

(Sorry, Guilherme, mas eh filme da minha epoca, oceis minino nao entenderiam)