quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O espetáculo reacionário


Publicado no Mundo Mundano.

A legislação antifumo é um ardil genial da campanha de José Serra a presidente. O amplo apoio midiático transformou-a em bandeira cívica, atraindo a simpatia do contribuinte desinformado. Assim ninguém reclama por financiar uma propaganda milionária, mistificadora e falsamente institucional, em meio a tantas carências que maltratam o Estado. Até militância gratuita o governador recrutou, com seus “carrascos voluntários” unidos em milícias de dedos-duros e fiscais de costumes.

O teatro dos expurgos saneadores é característico de contextos totalitários. Vazia de referências éticas, a classe média urbana apresenta-se como vanguarda do salvacionismo despótico. Quem ousa questionar o consenso estabelecido vê-se desmoralizado como agente de interesses obscuros, enquanto os defensores da lei parecem inocentes e desapegados. Afinal, defendem um fantasioso “bem coletivo”, com embasamento pretensamente científico, sob nauseante omissão do Judiciário.

Os proibicionistas têm suas razões para evitar uma discussão honesta sobre o tema. Em circunstâncias democráticas, a opinião pública saberia que há fumódromos permitidos e eficazes em quase todos os países europeus e sul-americanos. E seria convidada a entender por que o veto a áreas reservadas restringe-se aos poucos lugares que ainda sustentam a fracassada política antidrogas imposta pelos EUA.

Campanhas verdadeiramente educativas não tratariam o usuário como imbecil, sufocando-o com paranóias e mistificações implausíveis. Qualquer adolescente sabe que a ridícula demonização do cigarro baseia-se em critérios vagos e arbitrários, pois é impossível creditar mortes ao tabaco (ou a qualquer substância) isoladamente, sem considerar uma complexa rede de variáveis, inclusive genéticas e ambientais. Um único fumante longevo derruba todo preconceito. E, dependendo de como se utiliza as estatísticas, o colesterol, o álcool e a poluição viram genocidas a serem exterminados.

Mas é fácil (e perigoso) confundir ciência e moral. A histeria antifumo, com seus jargões infantis e o bom-mocismo hipócrita, usa a defesa da salubridade para blindar-se contra o verdadeiro debate. A louvável e necessária proteção de não-fumantes pode conviver com áreas reservadas ou mesmo estabelecimentos inteiros onde seja possível fumar, desde que o público disponha de informações para escolher. O que se pretende, no entanto, é banir o fumo através de sua gradativa criminalização.

A discutível melhoria da saúde pública será irrelevante perto do retrocesso que a lei impõe aos direitos individuais: a pessoa deixa de deliberar sobre seu corpo e sua propriedade, submetendo-os ao humor dos legisladores. O conceito de espaço coletivo foi desfigurado para permitir a ingerência estatal sobre a liberdade de trânsito e convivência dos cidadãos.

Por seu caráter dissimulado e intransigente, essa legislação representa uma decadência no atribulado processo da redemocratização brasileira. E não apenas ao instituir um recuo doutrinário na evolução histórica de descriminalização das drogas e respeito ao foro privado. Trata-se de medida flagrantemente inconstitucional porque, além das violações jurídicas pontuais, fere predicados básicos da cidadania. A tolerância generalizada a tamanha arbitrariedade revela muito do conservadorismo galopante que ameaça entrevar o milênio recém-iniciado.

4 comentários:

Cristina Maria disse...

Oi Guilherme! Que boa seu retorno!

Peço permissão para publicar este texto no meu blog, indicando a fonte.
Gostei muito mesmo, enfim algo dito com propriedade a respeito desse assunto.

Abraços,

Cris

Anônimo disse...

Coisa de facista.Abr.Roberto.

iendiS disse...

Não nos iludamos, amigos. Vai valer o pragmatismo, como sempre. Se a longo prazo ficar demonstrado que a medida derrubou índices de óbitos ou de casos graves de doenças atribuídos ao fumo, todos cantarão loas a ela, enquanto ridicularizarão os que se opuseram. Quem não se lembra das polêmicas sobre o cinto de segurança? A lei que obrigava o uso do artefato, se não me falha a memória, era inconstitucional, pois determinada por quem não era de direito. Entretanto, hoje, dificilmente se encontraria alguém clamando pelo direito individual de não usar o cinto. No mais, medidas radicais como essa - assim como outras, tipo a lei cidade limpa - têm o duplo objetivo de serem marcantes, polêmicas e, assim, atrair os holofotes, e também porque elas são, paradoxalmente, simplórias, pois agem como o sujeito que quebra o termômetro para acabar com a febre: como eu não tenho condição mesmo de fiscalizar com rigor uma lei que seja dura sobre dado tema, criando regras firmes dentro de um estado democrático, então eu já proíbo logo de uma vez e assim mato o assunto. Com a mídia a favor, convenhamos, é o caminho mais curto.

cleiner micceno disse...

ola guilherme, gostei do tetxto e tomei a liberdade de coloca-lo no meu blog, eu estou junto com alguns amigos fazendo um movimento quechama manifesto tabagista brasileiro , em favor dos direitos dos fumantes e principalmente a favor da liberdade das pessoas, coisa que nosso querido governador esquece que existe,
abrss
de uma passada no meu blog, e meus posts sobre o tema estão na tag manifesto tabagista brasileiro
http://stalkershots.blogspot.com/