segunda-feira, 10 de maio de 2010

Um país de corsários


Publicado na revista Caros Amigos, em abril de 2010.

O termo genérico “pirataria” envolve um leque imenso de atividades. A repressão paliativa de suas manifestações isoladas dissimula a força e a abrangência do fenômeno. Mas é absurdo assemelhar o comércio ilegal de bens culturais ao de quaisquer outros produtos, gerados por contrabando ou falsificação. Reproduzindo as engrenagens do tráfico, chega-se ao cúmulo de criminalizar a busca por informação, marginalizando seu “usuário”. E, também neste caso, criando instrumentos segregacionistas: a defesa do copyright equivale à tentativa de preservar desigualdades.

Mas todas as classes sociais se locupletam cotidianamente da informalidade, sob tolerância generalizada. Comércio, indústria e residências estão repletos de computadores e outros equipamentos irregulares. Jogos, músicas e filmes clandestinos entretêm milhões de famílias por todo o país, sem contar o furto de sinais da TV a cabo. A cópia integral de livros impede o colapso do ensino universitário, em especial nas instituições públicas, cujas bibliotecas possuem acervos ridículos.

O camelô virou bode expiatório do farisaísmo pequeno-burguês. Os preços irrisórios cobrados pela pirataria não justificam os custos exorbitantes do mercado regular, antes iluminam sua face gananciosa e excludente. Produtos culturais de grande circulação independem do varejo, pois se viabilizam previamente com publicidade, renúncia fiscal e eventos associados. Autores recebem migalhas, enquanto os lucros enriquecem uma rede de intermediários ociosos e insensíveis à produção artística.

A hipocrisia legalista faz parte de uma estratégia para impedir a disseminação da cultura regular, oficial, legítima. O exclusivismo cria nichos, eleva preços, alimenta ilusões de superioridade. Mas a vitória inevitável da pirataria revelará que é impossível barrar a demanda popular pelo conhecimento.

2 comentários:

Anônimo disse...

Concordo. Engraçado é assistir a um dvd e ver que eles te pedem a lingua do áudio desde o início. Ai se você escolhe inglês, a seleção de trailers é uma bem curtinha, isso quando o não filme inicia direto, as pessoas merecem certo respeito se tem como idioma o inglês. Se você escolher português, ai tem que assistir àquela propoaganda antipirataria que é de extremo mau-gosto (o sujeito compra o dvd no camelô que pergunta se pode dar o troco em bala, bala de revólver mesmo), não dá para pular esta introdução, depois ainda temos que enfrentar infinitos trailers. Pode?? Logo os norte-americanos que são piratas de verdade, que invadem e saqueiam outros países? Esses não precisam assistir ao cursinho de boa conduta. Francamente....

Galerius disse...

Nos EU. Monsanto abre processos milionários contra fazendeiros que não usam Sementes Monsanto mas suas lavouras são polinizadas pelas lavouras dos vizinhos que usam Sementes Monsanto. E esses vizinhos são obrigados a comprar sementes novas de Monsanto todo ano pois são proibidos usar sementes da safra deste ano para plantar ano que vem.

É raro ler comentário inteligente sobre o assunto. As leis que protegem os ditos "Intellectual Properties" que o Brasil e o resto do mundo são obrigados a aplicar são simplesmente uma forma de proteger monopólios. Enquanto a questão das leis de proteção dos direitos autoriais (copyright), ao meu ver, e de acordo com gente muito mais entendida do que eu, essas leis servem de repressão a expressão criativa. E bem certeiro o comentário que "Autores recebem migalhas, enquanto os lucros enriquecem uma rede de intermediários ociosos e insensíveis à produção artística.."