segunda-feira, 7 de março de 2011

WikiLeaks e os mitos da democracia



Publicado na revista Caros Amigos, em fevereiro de 2011.

A notoriedade conquistada pelo WikiLeaks teve inúmeros efeitos positivos, louvados à exaustão. Também conhecemos os questionamentos de seus adversários, alguns bem espinhosos e insolúveis, como os que debatem a necessidade de proteger dados governamentais estratégicos. Passado o furor das polêmicas iniciais, porém, é necessário apontar alguns equívocos menos evidentes de ambas as facções.

As informações divulgadas trouxeram pouca novidade àquilo que o leitor atento de jornais já sabia há décadas. Mesmo a infame perseguição a Julian Assange é típica do regime político em vigor nos EUA, que sempre combateu antagonistas com os instrumentos usados pelas chamadas ditaduras contra seus dissidentes. Assange, indefeso como qualquer cidadão comum, jamais escaparia das armadilhas jurídicas, econômicas e jornalísticas que esmagam quem ousa confrontar o “sistema”.

Apesar do discurso iconoclasta, ele precisou recorrer à mídia corporativa para legitimar-se e salvar a própria pele. Governos e empresas atingidos superaram o breve embaraço e voltaram às atividades obscuras de praxe. Assange serviu para elevar a audiência e aprimorar a blindagem de seus inimigos, e depois foi descartado. Pagou um preço demasiado apenas para confirmar que não existe liberdade de imprensa ou direito à informação no mundo real do poder, que esses princípios ocos alimentam fantasias convenientes à natureza totalitária da farsa democrática.

A ilusória força mobilizadora da internet ameniza nossa amedrontada submissão às engrenagens que não podemos (e talvez não queiramos) destruir. É enganosamente confortável denunciar injustiças e violências no ambiente inofensivo da virtualidade. O ativismo eletrônico, ainda que necessário, não basta para operar mudanças efetivas no cotidiano das populações. E pode também levar a inúteis sacrifícios pessoais.

Um comentário:

Felipe disse...

Fugindo um pouco do caso específico Assange, e focando mais nessa questão do virtual.

Concordo com vc Guilherme, tenho um pé atrás com esse ativismo eletrônico e seus reais efeitos.

Quantas vezes nos deparamos nas nossas caixas de emails com esse tipo de ativismo sugerindo uma assinatura sua como forma de mobilização e pressão a determinada causa. No entanto, esse tipo de ação talvez despolitize mais e contribua para uma acomodação maior ainda, afinal, com apenas um clique aliviamos nossa consciencia e nos sentimos contribuidor da causa.

Tenho la minhas duvidas em relação ao que muitos analistas afirmam que no mundo atual o virtual é real. Será?

No entanto, vemos a capacidade de mobilização nessa revolução árabe via facebook, o que levou a muitas mudanças no cotidiano das pessoas daquelas regiões.

Acho que o virtual não é o real. É apenas um momento em potencial para o mundo real. Por ser apenas um momento, por si só ele não basta. Se esse primeiro momento provocar uma ação efetiva no real ai sim teremos mudança efetiva.

Mas esse primeiro momento pode ser ilusório também, quando morre em si, quando a ação termina num clique do mouse.