Trechos traduzidos do artigo “Crisis in Brazil”,
escrito pelo historiador Perry Anderson para o London Review of Books (versão
original em inglês aqui)
(...)
O país está em uma severa recessão, com o PIB
caindo 3,7 % no ano passado e provavelmente a mesma coisa este ano. Por outro
lado, o desemprego ainda não atingiu os níveis da França, e muito menos os da
Espanha. A inflação é menor do que nos últimos anos de
[Fernando Henrique] Cardoso, e as reservas cambiais são superiores. A dívida
pública é a metade da Itália, embora, dadas as taxas de juros brasileiras, o
custo dos serviços seja muito maior. O déficit fiscal é inferior à média da União
Europeia. Todos estes números podem piorar. Ainda assim, até agora, a
profundidade do buraco econômico não corresponde ao volume de clamor ideológico
a respeito: a oposição partidária de fixação neoliberal tem todo o interesse em
exagerar as dificuldades do país. Mas isso dificilmente reduz a escala da crise
em que o PT está agora se debatendo, que não é apenas econômica, mas política.
(...)
Delação premiada e encarceramento por tempo
indefinido combinam incentivos e intimidações: instrumentos questionáveis na
busca da verdade e de justiça, mas legalizados no Brasil. Mas não o vazamento à
imprensa de informações, ou de meras suspeitas, a partir de investigações ainda
supostamente secretas: isso é claramente ilegal. Na Itália, o vazamento foi
regularmente usado pelo grupo de Milão, e seria usado ainda mais amplamente
pelo grupo de Curitiba. Desde o início, os vazamentos pareciam seletivos:
persistentemente visando o PT, e persistentemente (...) aparecendo na mais
violenta aríete de agressão midiática sobre o partido, a revista semanal Veja,
que depois de semanas de revelações, nas últimas horas antes da abertura das
urnas na eleição presidencial de 2014, publicou uma reportagem de capa com os
rostos de Dilma e Lula surgindo de uma meia-luz sinistra, sob a exclamação "Eles
sabiam!”, alertando os eleitores para os gênios do crime do petrolão.
(...)
Nesta dramática escalada da crise política, o
personagem central tem sido o Judiciário. A noção de que a operação de Moro
estava agindo com imparcialidade em Curitiba, inicialmente defensável, ficou
arruinada com o teatro gratuito e midiático do seu ataque de madrugada à casa
de Lula, seguido de uma mensagem pública saudando as manifestações que exigiam
o impeachment de Dilma: “o Brasil está nas ruas”, ele anunciou. “Estou
emocionado”. Em seguida, com a publicação de escutas de um telefonema entre
Lula e Dilma, horas depois que a escuta deveria ter sido interrompida, ele
quebrou a lei duas vezes: violando o sigilo que cobre tais interceptações,
mesmo quando permitidas, para não falar da confidencialidade que supostamente
protege as comunicações do chefe de estado. Essas ilegalidades foram tão
evidentes que provocaram uma repreensão morna de um juiz do Supremo Tribunal
Federal. Mas ela não resultou em sanção. Apesar de “inadequado”, seu superior
levemente observou, a sua ação tinha alcançado o “efeito desejado”.
(...)
No Brasil, a politização da mais alta magistratura
é uma longa tradição. A figura ubuesca de Gilmar Mendes é, talvez, um caso
extremo, embora revelador. Como presidente, [Fernando Henrique] Cardoso
protegeu seu amigo de processos legais, dando-lhe status ministerial – Mendes
agora censura Dilma por fazer isso com Lula – antes de levá-lo para o Supremo
Tribunal. Lá, para evitar atenção indesejada, Cardoso se esgueirava para dentro
do prédio pela garagem subterrânea, para conversar com ele. Partidário
escancarado demais do PSDB (...) até mesmo para Eliane Cantanhêde, uma
jornalista alinhada com a direita, Mendes podia ser visto almoçando alegremente
com os líderes proeminentes do partido após absolvê-los de crimes, e não
hesitou em empregar fundos públicos para inscrever seus subordinados na escola
privada de direito que possuía, lucrativamente, enquanto atuava como juiz no
mais alto tribunal da nação. Suas diatribes contra o PT são legendárias.
(...)
Lá [no Brasil], os meios de comunicação têm sido
monoliticamente partidários na sua hostilidade ao PT e acríticos diante da
estratégia de vazamentos e pressões de Curitiba, da qual têm agido como porta-vozes.
Brasil possui alguns dos melhores colunistas do mundo, que analisam a crise
atual em um nível literário e intelectual muito acima da aridez do Guardian ou do
New York Times. Mas essas vozes são em número bem menor do que a floresta de
conformistas que ecoam as perspectivas de proprietários de veículos e editores.
(...)
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