quinta-feira, 28 de abril de 2016

“Crise no Brasil”
















Trechos traduzidos do artigo “Crisis in Brazil”, escrito pelo historiador Perry Anderson para o London Review of Books (versão original em inglês aqui)
  
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O país está em uma severa recessão, com o PIB caindo 3,7 % no ano passado e provavelmente a mesma coisa este ano. Por outro lado, o desemprego ainda não atingiu os níveis da França, e muito menos os da Espanha. A inflação é menor do que nos últimos anos ​​de [Fernando Henrique] Cardoso, e as reservas cambiais são superiores. A dívida pública é a metade da Itália, embora, dadas as taxas de juros brasileiras, o custo dos serviços seja muito maior. O déficit fiscal é inferior à média da União Europeia. Todos estes números podem piorar. Ainda assim, até agora, a profundidade do buraco econômico não corresponde ao volume de clamor ideológico a respeito: a oposição partidária de fixação neoliberal tem todo o interesse em exagerar as dificuldades do país. Mas isso dificilmente reduz a escala da crise em que o PT está agora se debatendo, que não é apenas econômica, mas política.

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Delação premiada e encarceramento por tempo indefinido combinam incentivos e intimidações: instrumentos questionáveis na busca da verdade e de justiça, mas legalizados no Brasil. Mas não o vazamento à imprensa de informações, ou de meras suspeitas, a partir de investigações ainda supostamente secretas: isso é claramente ilegal. Na Itália, o vazamento foi regularmente usado pelo grupo de Milão, e seria usado ainda mais amplamente pelo grupo de Curitiba. Desde o início, os vazamentos pareciam seletivos: persistentemente visando o PT, e persistentemente (...) aparecendo na mais violenta aríete de agressão midiática sobre o partido, a revista semanal Veja, que depois de semanas de revelações, nas últimas horas antes da abertura das urnas na eleição presidencial de 2014, publicou uma reportagem de capa com os rostos de Dilma e Lula surgindo de uma meia-luz sinistra, sob a exclamação "Eles sabiam!”, alertando os eleitores para os gênios do crime do petrolão.

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Nesta dramática escalada da crise política, o personagem central tem sido o Judiciário. A noção de que a operação de Moro estava agindo com imparcialidade em Curitiba, inicialmente defensável, ficou arruinada com o teatro gratuito e midiático do seu ataque de madrugada à casa de Lula, seguido de uma mensagem pública saudando as manifestações que exigiam o impeachment de Dilma: “o Brasil está nas ruas”, ele anunciou. “Estou emocionado”. Em seguida, com a publicação de escutas de um telefonema entre Lula e Dilma, horas depois que a escuta deveria ter sido interrompida, ele quebrou a lei duas vezes: violando o sigilo que cobre tais interceptações, mesmo quando permitidas, para não falar da confidencialidade que supostamente protege as comunicações do chefe de estado. Essas ilegalidades foram tão evidentes que provocaram uma repreensão morna de um juiz do Supremo Tribunal Federal. Mas ela não resultou em sanção. Apesar de “inadequado”, seu superior levemente observou, a sua ação tinha alcançado o “efeito desejado”.

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No Brasil, a politização da mais alta magistratura é uma longa tradição. A figura ubuesca de Gilmar Mendes é, talvez, um caso extremo, embora revelador. Como presidente, [Fernando Henrique] Cardoso protegeu seu amigo de processos legais, dando-lhe status ministerial – Mendes agora censura Dilma por fazer isso com Lula – antes de levá-lo para o Supremo Tribunal. Lá, para evitar atenção indesejada, Cardoso se esgueirava para dentro do prédio pela garagem subterrânea, para conversar com ele. Partidário escancarado demais do PSDB (...) até mesmo para Eliane Cantanhêde, uma jornalista alinhada com a direita, Mendes podia ser visto almoçando alegremente com os líderes proeminentes do partido após absolvê-los de crimes, e não hesitou em empregar fundos públicos para inscrever seus subordinados na escola privada de direito que possuía, lucrativamente, enquanto atuava como juiz no mais alto tribunal da nação. Suas diatribes contra o PT são legendárias.

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Lá [no Brasil], os meios de comunicação têm sido monoliticamente partidários na sua hostilidade ao PT e acríticos diante da estratégia de vazamentos e pressões de Curitiba, da qual têm agido como porta-vozes. Brasil possui alguns dos melhores colunistas do mundo, que analisam a crise atual em um nível literário e intelectual muito acima da aridez do Guardian ou do New York Times. Mas essas vozes são em número bem menor do que a floresta de conformistas que ecoam as perspectivas de proprietários de veículos e editores.


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