sexta-feira, 14 de março de 2008

A Chauás acabou?

Parece que realmente Lucas Gerônimo da Silva não vai mais organizar a Expedição Chauás. Aquelas corridas de aventura tinham como principal característica a dificuldade física, num nível que não se encontra em provas de extensão intermediária (entre 100 e 150 km). É o famoso “perrengue”, marca registrada da Chauás: ausência de trilhas, terrenos hostis, subidas intermináveis e uma fantasmagórica capacidade de atrair chuvas torrenciais. Participei de quatro Expedições com a equipe Curupira Pirô!. Na primeira, em Itanhaém (março de 2006), subimos toda a Serra do Mar, pela encosta, até o marco da cidade de São Paulo – para voltarmos em seguida. Suportamos umas vinte horas de temporal ininterrupto, que causou grandes estragos nas cidades litorâneas e anulou qualquer possível trilha no mato. Galgamos os morros por quase um dia (foram trinta e tantas horas de prova), com torrentes de água entrando em cada orifício, sem referências, à beira da hipotermia.
Na prova seguinte, na Ilha do Cardoso, passei horrivelmente mal, desidratando, com pressão baixa, e tive de ser rebocado pelos companheiros até uma ambulância. Havíamos percorrido boa parte da prova e eu pus tudo a perder por um deslize na alimentação.
Na última prova de 2006, em Guaratinguetá, subimos dali a Campos do Jordão, numa inacreditável trilha escarpada, sob chuva (claro), em plena madrugada. Frio de verdade. Depois descemos de volta, pegando o mais longo e enlameado esqui-bunda da história. Foi nossa prova mais bem-sucedida.
Também terminamos bem a de Águas de Lindóia (março de 2007), apesar de ter sido um pouco diferenciada em relação aos padrões Chauás, com predomínio de estradas e caminhos largos.
Depois do sufoco em Itanhaém, enveredamos numa proveitosa polêmica com Lucas e alguns atletas. Defendíamos a necessidade do Chauás se “profissionalizar”, adotando certas medidas de segurança e suporte existentes em provas menores e menos perigosas. Em Itanhaém, por exemplo, havia apenas um PC (Posto de Controle) na base da Serra e outro no alto; nenhum intermediário. A equipe poderia errar o caminho e terminar no Camboja, como quase aconteceu, e encontrá-la seria impossível. A Chauás não permitia a presença de equipe de apoio (o abastecimento dos atletas ocorria junto às suas caixas de mantimentos, transportadas pela Organização) e nem fornecia comunicação imediata com os resgates (rádios, rojões, sinalizadores). Era melhor assim. Nós defendíamos compensar a compreensível falta de suporte com um número maior de PCs e resgates, e uma estrutura melhor de apoio a familiares e amigos de atletas, autoridades, bombeiros imprensa, etc.
Previsivelmente, a comunidade dos competidores reagiu mal às nossas sugestões. Tiveram medo de descaracterizar a Chauás, tornando-a semelhante às outras. Lucas, entretanto, foi prudente e soube adotar algumas inovações para as provas seguintes.
Apesar das restrições ao “jeito (ma)Lucas de organização”, lamento o fim da Expedição. Seu visível apreço pelo esporte conseguia atingir todos os envolvidos, criando uma mística e um espírito de exclusividade que não se vê nas provas concorrentes, marcadas pela competitividade insensível e mais próximas do triatlo do que da aventura.
Além disso, a Chauás sempre significou a descoberta de topografias inesquecíveis, revelando imensas riquezas naturais. O mangue da Ilha do Cardoso (que atravessamos afundados até as cinturas), a exuberância de Lagamar, os cenários deslumbrantes do vale do Paraíba e as bromélias assassinas da Serra do Mar são algumas das experiências inesquecíveis que tivemos graças a essa prova cheia de dificuldades e privações.
Alguém pode até imitar a Chauás, em iniciativas futuras. Se não houver uma largada com a buzina do Lucas e se não chover sem parar, do começo ao fim, não será igual.

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