sábado, 23 de fevereiro de 2008

Oscar

Até uns dez anos atrás, gravava todas as cerimônias do Oscar. Assistia ao vivo e também àquelas reprises da Globo, na tarde do sábado seguinte (existe isso ainda?). Hoje as fitas de antanho viraram gosma e foram substituídas por outras, com acervos quase tão remotos. Como não revia qualquer gravação, achei melhor abandonar o péssimo hábito. Cheguei a prometer nunca mais perder meu sono com esses espetáculos bregas, entediantes e indiferentes. Só que ninguém acreditou. Nem eu.
Não, a Academia não premia apenas lixo. E muitas estatuetas são homenagens corretas, mesmo que tardias ou precoces, a profissionais competentes – raramente, porém, as obras premiadas possuem relevância histórica. Os festivais europeus, apesar da variedade internacional e do apreço pela inovação, funcionam numa lógica semelhante. E prêmios são tolos em qualquer língua.
A inegável superioridade técnica do cinema estadunidense advém de uma indústria extremamente desenvolvida e dotada de padrões altíssimos de qualidade. Seus criadores inventaram e aprimoraram o vocabulário audiovisual contemporâneo, disseminando-o com tal competência que os sentidos das platéias mundiais estão pré-condicionados a assimilar certas estruturas narrativas, inclusive clichês e mensagens subliminares. Os espectadores já chegam à adolescência sabendo pensar “hollywoodianamente”.
O aspecto cruel dessa hegemonia, e característico da engrenagem autofágica do capitalismo, é a apropriação do espírito inventivo e da subversão. Basta comparar a linguagem dos grandes sucessos do pós-guerra com a dos atuais, para medir como estes souberam incorporar inovações técnicas e temáticas que pareceriam grotescas a nossos antepassados. Se o conteúdo permanece imutável (a autocelebração patriótica, a apologia da família e do liberalismo, etc), é porque a forma, ou o “significante”, possui restrita capacidade revolucionária em si.
Da mesma forma, a cerimônia do Oscar engole e digere os gestos de rebeldia, contestação e protesto, transformando todos em protagonistas e figurantes desse grande espetáculo corporativo. Tudo é show, mesmo o anti-show, inescapavelmente.

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