Faustin von Wolffenbüttel (1940-2008) foi correspondente de guerra, escritor, dramaturgo, professor de literatura nas universidades de Copenhague e Nápoles. Editou o Pasquim e colaborou com a saudosa revista Bundas, onde criou o hilariante personagem Nathaniel Jebão, colunista social ultra-reacionário e racista. Pretendo resgatar trechos dessas colunas ocasionalmente.
O velho Lobo possuía uma página eletrônica, onde é possível conhecer alguns de seus textos. Foi-se um grande boêmio, comunista teimoso, gênio da crônica. Abaixo, em texto de 2006, ele comenta um derrame que sofreu.
“Outro dia quase bati as botas. Fechado o expediente, fiquei bebendo uísque enquanto olhava o mar. À medida que bebia, mais o mar se agitava, me agitando também. Tive uma idéia genial e voltei ao computador, mas - vejam só - não conseguia escrever as frases direito. Era sempre aprotaledo pelas pavrolas. Retornei à janela, fiquei vendo o mar e tendo idéias geniais. Bebi mais algumas doses de uísque e, quando minha mulher voltou do trabalho (é, meus filhos, alguém tem de prover), contei-lhe o que ocorrera. Ela: ''Você teve um princípio de enfarte ou um princípio de isquemia'', e, sob meus discretos protestos, arrastou-me ao hospital.
Colocaram-me num leito ao lado de muitos outros, separados por um lençol. Braços furados por mil agulhas, fui vítima de um clister e do resultado do clister, tudo isso em meio a dezenas de pessoas que fingiam ignorar minha indiscreta performance. Lá pelas nove da manhã fugi do hospital e fui caminhando por Ipanema. Acabei num boteco em frente ao estúdio do Millôr, na Gomes Carneiro. Tomei um conhaque, comi um sanduíche de pernil e fumei um cigarro. Bateu-me a vontade de escrever um poeminha. Pedi lápis e caneta, mas as mãos não obedeciam ao cérebro.
Só depois de desenhar mentalmente a letra é que conseguia reproduzi-la no papel e ainda assim muito mal. Desisti do poema e fui pedir a opinião do Millôr, que há 50 anos é uma espécie de irmão mais velho. Aconselhou-me a voltar ao hospital, o que fiz de táxi desta vez. As enfermeiras me receberam de braços abertos e nem me torturaram. Tivera mesmo uma isquemia. Três dias depois, feitos todos os exames, me mandaram embora e proibiram-me de fazer as três coisas de que mais gosto: ver Mannhattan connection, discutir com adolescentes e ler originais não solicitados.
Caíram nessa? Não acredito. É isso mesmo que vocês pensaram. Estou proibido de fumar, beber e procriar, pois, no meio de uma dessas atividades, o sangue pode derrapar na veia e sair da pista da minha vida, que pode não ser grande coisa mas é minha. Por isso nunca mais fumei, bebi e procriei ao mesmo tempo. Tudo tem seu tempo certo.”
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