Publicado na revista Caros Amigos de setembro de 2008, integrante da matéria de capa "Barbárie não se anistia"
Regimes ditatoriais só terminam quando as instituições competentes promovem o julgamento público de suas lideranças, sob amplo debate da sociedade. A ruptura histórica fundadora do processo de redemocratização depende de uma inflexível condenação do período antecedente, de acordo com os preceitos do estado de Direito recém-estabelecido. Qualquer concessão apaziguadora leva a questionamentos sobre a própria natureza do novo sistema de governo, pois não é possível ser verdadeiramente democrático e tolerar qualquer violência autoritária.
O motor que impulsiona os necessários acertos de contas é a memória, cuja preservação garante a publicidade e a punição dos atos criminosos, o constrangimento dos responsáveis e a educação das gerações vindouras. A Lei de Anistia visou justamente o inverso, condicionando o restabelecimento da normalidade a uma amnésia ampla, geral e irrestrita. Era fácil propor a impunidade generalizada, pois os adversários do regime já haviam sofrido punições desmedidas e ilegais (eis porque a Lei só contempla aqueles que a arquitetaram).
Há justificativas legais, morais e históricas imbatíveis para a revisão da Anistia. Mas o resgate da memória das vítimas da ditadura teria uma importância adicional nos dias correntes, quando os espectros da desmoralização, da crise funcional e da indisciplina rondam as Forças Armadas. Ajudaria a lembrá-las que vivemos uma democracia, regime no qual os militares obedecem muito, decidem pouco e nada falam, submetidos que estão a um governo civil cuja legitimidade popular lhe confere poderes que nem os mais virulentos déspotas conheceram.
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