quinta-feira, 18 de junho de 2009

Mitos iranianos

As eleições no Irã servem perfeitamente à propaganda do Eixo do Mal, o estilo “Guerra Fria” modernizado que continua a pautar a cobertura internacional da grande imprensa. A desinformação tende a piorar com o acirramento dos ânimos, alimentando um repertório de bobagens que, sem as devidas correções, ganharão status consensual. É interessante romper esse processo de criação de falsas verdades enquanto a imprevisibilidade dos acontecimentos ainda o permite.

Fraudes provam que Ahmadinejad perdeu? – tudo leva a crer que houve uma série de irregularidades por todo o país. Mas ninguém conseguiu dimensioná-las ou determinar seus autores, enquanto vazam contagens paralelas e apócrifas que beiram o inverossímil. Nenhuma fonte iraniana confiável (incluindo vários oposicionistas) questiona a inevitabilidade da reeleição do presidente, extremamente popular entre as classes menos favorecidas e no interior.

Uma revolução em curso? – os numerosos protestos são inéditos na história recente do país. Mas concentram-se nas grandes cidades, especialmente em Teerã. O tal “clima nacional” das manifestações não foi comprovado, pois os correspondentes internacionais se restringem à capital. Ali também houve pelo menos duas grandes passeatas favoráveis a Ahmadinejad, que não receberam destaque na imprensa. O movimento oposicionista é menos organizado e uníssono do que parece.

Mousavi é liberal? – A mídia internacional sempre o considerou um radical. Hoje ele assume discurso moderado, mas jamais questiona a República Islâmica, antes defende o retorno a seus princípios originais. Foi primeiro-ministro de 1981 a 1988, período particularmente repressivo da política iraniana, que coincidiu com a guerra contra o Iraque. Seu governo perseguiu oposicionistas e impôs diversas das restrições de vestuário e comportamento que se costuma associar à dureza do regime.

Os EUA cautelosos? – É evidente (e pouco dissimulado pelo próprio governo Obama) o apoio conferido à oposição. As cifras envolvidas variam de acordo com o informante, mas coincidem na escala milionária. Sob a censura e a repressão do governo iraniano, seria materialmente impossível organizar, financiar e divulgar um movimento reformista (tão bem-sucedido quanto instantâneo) sem forte amparo externo.

Uma ótima fonte dos acontecimentos pode ser obtida nos relatos de Robert Fisk, talvez o mais importante correspondente internacional no Oriente Médio (em inglês).

Um comentário:

Abobrinhas Psicodélicas disse...

Bom texto, boas reflexões. O engraçado é que toda esta "indignação democrática" da grande imprensa não se manifestou quando ocorreu a grande fraude que elegeu George W. Bush. Pelo contrário: naquele momento, a mídia vestiu a capa da neutralidade e da isenção jornalística. Abraços.