Ao editar o extenso material bruto à sua disposição, Steven Soderbergh deveria ter sacrificado a primeira parte do enredo para acomodar a segunda num único longa-metragem. Preservando aquela como obra autônoma, a inferioridade da seqüência prejudica o conjunto.
É fácil esnobar o projeto. A crítica cinematográfica impregnou-se de certa obtusão da intelectualidade conservadora, empenhada no ataque “iconoclasta” aos símbolos históricos da esquerda. Essa postura ideológica termina empobrecendo as análises propriamente estéticas, reduzidas a apologia política.
Considerado em sua essência cinematográfica, o primeiro “Che” é quase grandioso. O maior equívoco de Soderbergh foi justamente esforçar-se tanto para evitar o panfleto e a apologia revolucionária. Indiferente ao aspecto épico da aventura insurrecional, tenta esvaziar os personagens de cargas heróicas. Por isso incorre no equívoco oposto, o de realizar um filme de ação frio e distante.
A segunda parte, totalmente dedicada à fracassada guerrilha boliviana, parece anticlimática graças à carência de sedução visual. Não é qualquer cinematógrafo estrangeiro que consegue apreender a exuberância da natureza tropical sob suas luzes inclementes. Para atingir um nível como o de Werner Herzog em seus filmes amazônicos, é necessário contar com a câmera de Thomas Mauch (além do arrojo visionário). Mas o tal Peter Andrews dos créditos é o próprio Soderbergh, que assinou com esse pseudônimo a fotografia de quase todos os seus filmes. Tivesse contratado um esteta como o nosso Walter Carvalho, o martírio de Guevara ganharia importância antológica (basta lembrar a beleza natural captada por este em “Lavoura Arcaica”, por exemplo).
Em resumo, “Che” é muito melhor do que afirmam seus depreciadores, embora fique abaixo dos propósitos iniciais. Apenas a interpretação quase mediúnica de Benício del Toro seria suficiente para transformá-lo, no mínimo, numa lição de mimetismo dramático. Como diz seu personagem, no desfecho da primeira parte, ele está “increíble”.
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