segunda-feira, 14 de março de 2011

Somos todos punks



Luiz Bras gentilmente convidou-me para participar de um debate sobre literatura de Ficção Científica, que ele promove com jornalistas e escritores no seu blog Cobra Norato. Minha humilde colaboração acaba de ser publicada por lá e segue abaixo na íntegra.

Fiz alguns rabiscos sobre os contos de “Cyberpunk”, com o intuito de abordá-los separadamente, mas a leitura ganhou novas dimensões à luz do artigo de Luiz Bras “Convite ao mainstream”, publicado no Rascunho. A análise fugiu então dos méritos e defeitos pontuais da coletânea e ampliou-se para o papel do gênero no contexto atual da literatura brasileira. Dadas as limitações do meu arsenal crítico e a natureza da militância que empreendo como autor, penso que seria mais construtivo e honesto se participasse com tais reflexões.

Tenho dificuldade em pensar a criação literária sob uma ótica de grupo (independente dos critérios distintivos), pois vivencio há duas décadas o isolamento pessoal e profissional que prejudica a maioria dos autores contemporâneos, principalmente os novatos. A literatura brasileira reconhecida pelos veículos especializados ou de grande circulação já está restrita a uma seita de iniciados, que, aliás, é bastante desunida e competitiva. Temo que a inserção de novas confrarias nesse ambiente ajude a alimentar preconceitos, falsas polêmicas e disputas vazias. Quanto menos imaginarmos fronteiras seletivas, mais próximos estaremos de superá-las.

O ofício literário é batalha permanente por legitimações. O escritor brasileiro gasta boa parte do tempo útil debatendo-se contra o desinteresse da crítica, a indiferença dos colegas e as confrarias que dominam a imprensa, as casas editoriais e os convescotes variados – tudo isso evitando rótulos limitadores. O autor anônimo precisaria ser um super-herói da obstinação para também superar os avais seletivos do grupo ao qual pretende se unir, sabendo que depois precisará defender a legitimação do próprio gênero enquanto literatura dita “alta” ou de qualidade.

Quando louvamos a riqueza da literatura de gênero precisamos considerar que sua identidade afirma-se através de um repertório básico de referenciais. Isso acarreta problemas quando os modelos estabelecidos sufocam a liberdade do impulso criativo. Um risco ameno do condicionamento (tomando o exemplo da FC) é permitir que a especulação científica suplante o apuro estético, repetindo o que a digressão filosófica faz com a linguagem na obra de muitos poetas.

Há, no entanto, um perigo mais sério dessa atitude: a (in)voluntária absorção de clichês. Não importa se os lugares-comuns vêm do fetichismo da cultura de massas ou dos padrões narrativos da indústria do entretenimento; aceitá-los como suportes para enredos inusitados gera certa autocomplacência formal, baseada apenas no conforto da evasão, que no limite nada possui de autêntico ou inovador.

Por outro lado, parece-me que a falta de novidade temática não explica a monotonia da produção atual. Repetindo o “Convite ao mainstream”, um bom romance ou conto nasce do tratamento conferido a “narrador, personagens, tempo, espaço, ação e linguagem”. A literatura nacional soa medíocre ou repetitiva simplesmente porque é incapaz de atingir resultados satisfatórios no equilíbrio desses elementos. As obras que possuem qualidades básicas de elaboração estilística sempre terão uma força original, mesmo que não explorem fronteiras imaginativas ou que não desafiem os cânones.

Uma distorção típica do tal mainstream é pretender sintetizar ou personificar toda a literatura contemporânea. Pois o inegável esgotamento do mainstream não reflete a imensa produção literária que se multiplica à margem do microcosmo consagrado. Esse “cansaço” reproduz os vícios, as acomodações e os favoritismos vigentes nas esferas legitimadoras que habitam e circundam o mercado editorial. Trazer a FC para o centro do debate será bastante positivo, mas o cenário mudará pouco se os critérios hegemônicos de reconhecimento continuarem intactos.

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