No final de julho, a Advertising Standards Agency, órgão de auto-regulação da publicidade britânica, forçou a L’Oréal a cancelar uma campanha protagonizada pela atriz Julia Roberts e pela modelo Christy Turlington. O motivo: suas fotografias foram retocadas eletronicamente, induzindo os consumidores a imaginar que os produtos anunciados teriam o mesmo efeito milagroso.
Quando alguém propõe semelhante rigor no Brasil, a categoria corre hastear a bandeira da liberdade de expressão. Ou, pior, a do “direito à informação” (como se houvesse alguma informação em jogo). O raciocínio é simplório: cabe ao público acreditar, fingir que acredita ou recusar o embuste. A mentira faz parte da brincadeira.
Boa parte das peças publicitárias nacionais carrega falsas promessas de todo gênero, formuladas em claro e inequívoco português, acessível até para quem dispensa complexas exegeses semióticas. Acontece que tomamos as falácias como partes naturais do dialeto midiático estabelecido. E aceitamos tão cegamente a propaganda enganosa que nem chegamos a perceber suas mais gritantes e lesivas manifestações.
Isso tem pouco a ver com o célebre filme estrelado por Gisele Bündchen para a Hope. Continuo questionando a utilização do episódio por uma mentalidade autoritária que tenta cercear a expressão criativa em nome de valores tidos como “corretos”. Mas acredito que o caso foi bem conduzido pelas autoridades. E ao mesmo tempo compreendo a posição do Conar, que recusou uma abordagem simbólica e interpretativa para não criar um precedente de aplicação inviável.
Ainda que sexismo e estelionato sejam faces complementares do mesmo desrespeito pela cidadania, eles atuam de maneiras diversas sobre as relações de consumo. Não conseguiremos avançar na esfera subjetiva, atenuando a essência irremediavelmente manipuladora da propaganda, enquanto prevalecerem os golpes rasteiros do pior comércio mentiroso. Extinguindo-o já avançaríamos um bocado, inclusive na conscientização que levaria o público a rejeitar estigmas e preconceitos.
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