quarta-feira, 9 de maio de 2012

Bafafás



Duas polêmicas agitaram os bastidores do microcosmo literário nos últimos meses. Uma foram os R$ 170 mil cobrados por Gabriel O Pensador para participar da Feira do Livro de Bento Gonçalves. Outra nasceu da transferência do local da cerimônia de entrega do Prêmio Moacyr Scliar, porque o agraciado, Ferreira Gullar, se recusa a viajar de avião (no caso, para Porto Alegre).

Independente das motivações dos escritores que alavancaram as controvérsias, há um substrato político na maneira como os casos foram utilizados pela imprensa corporativa. Não custa lembrar que ambas a administrações públicas atingidas estão a cargo de petistas, enquanto Gullar personifica uma espécie de totem intelectual do oposicionismo aos governos Lula/Dilma. Isso ajuda a explicar o destaque dado à história do músico e o estranho silêncio que rodeou a mania do poeta.

Mas esse tratamento diferenciado ganha cores novas quando nos aprofundamos nas circunstâncias de cada imbróglio. O contrato de Gabriel O Pensador incluía um show e a compra de lotes dos seus livros. Pode-se discutir a presença dele num evento do gênero, mas uma avaliação puramente financeira, ou mercadológica, deveria considerar também os custos de shows de outros artistas populares e os preços de livros adquiridos pelo Poder Público. Ao mesmo tempo, um debate “filosófico” teria de abordar os cachês que predominam pelas centenas de eventos literários do país. Quanto é “justo” pagar para um escriba falar em público por uma hora, e quanto costumam receber os convidados desse circuito inacessível e quase monopolizado?

O prêmio a Gullar também suscitou desdobramentos incômodos. O poeta é um gênio fundamental da arte brasileira, mas não foram poucos os impertinentes que duvidaram do merecimento de seu último livro, tendo em vista o peso da concorrência. Outros ainda questionaram a consagração de um autor já notório e confortavelmente instalado nas almofadas do louvor nacional, em prejuízo de tantos novos talentos que sofrem no anonimato. Tudo poderia ser resumido a um antiqüíssimo dilema de apreciação subjetiva, não fosse a presença no júri do imortal Antônio Carlos Secchin, autor do texto que preenche a orelha do livro vencedor e ativo apologista da obra de Gullar.

E assim, repetindo a tendência dos últimos anos, a lisura dos círculos legitimadores da literatura brasileira é posta em dúvida, e todos curiosamente fazem de conta que se trata apenas de rusgas menores.

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