segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Secou














A decisão do STJ negando o uso de exames clínicos e testemunhos como prova de dosagem alcoólica apenas corroborou o bom-senso. Era previsível que a tal Lei Seca esbarraria nesse dilema. Independente da margem estabelecida, qualquer limite exato precisa de aferição incontroversa, por mecanismos precisos, auditorados, imparciais.

O dilema não tem nada a ver com a necessidade de punir o motorista embriagado. Tem a ver com os métodos adequados para a criação das leis numa democracia adulta. Leis precisam obedecer a exigências teóricas e formais que suplantam a ânsia persecutória de autoridades e cidadãos. Precisam atingir a famosa racionalidade kantiana que leva à obediência voluntária das regras. A demagogia legislativa fabrica letras mortas, desmoralização institucional e, no limite inevitável, a impunidade dos malfeitores.

O atual esforço do Senado para salvar a Lei Seca repete o que ocorreu com a criminalização dos fumantes e o que cedo ou tarde sucederá com o veto à cerveja nos estádios: a canetada populista cria uma aberração legal que, ao primeiro questionamento sério, os nobres parlamentares descabelam-se para remendar. Mas, em vez de buscar as adequações constitucionais e os recursos humanos e financeiros necessários à sua aplicação, rabiscam uns artifícios retóricos disfarçando a inviabilidade original da regra.

O pior é que a nova legislação deve enfraquecer ainda mais sua própria idéia original. As autoridades precisariam de bilhões de bafômetros e bilhões de kits de extração de sangue e bilhões de insumos destinados a exames químicos em todos os recantos do país. Na falta de equipamentos, o cidadão sequer precisará negar-se a produzir provas contra si mesmo, pois não existirão meios de estabelecê-las, e as evidências subjetivas continuarão inválidas para fins jurídicos.

Sem recursos técnicos, ninguém consegue determinar se uma pessoa consumiu dois copos de cerveja trinta minutos antes. O Judiciário ficará restrito a punir apenas os motoristas escandalosamente embriagados, cujas condutas puderem ser evidenciadas, por exemplo, através de uma câmera de celular. Nada mais distante da tão comemorada “tolerância zero”.

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