A decisão do STJ negando o uso de exames clínicos
e testemunhos como prova de dosagem alcoólica apenas corroborou o bom-senso. Era
previsível que a tal Lei Seca esbarraria nesse dilema. Independente da margem
estabelecida, qualquer limite exato precisa de aferição incontroversa, por mecanismos
precisos, auditorados, imparciais.
O dilema não tem nada a ver com a necessidade de
punir o motorista embriagado. Tem a ver com os métodos adequados para a criação
das leis numa democracia adulta. Leis precisam obedecer a exigências teóricas e
formais que suplantam a ânsia persecutória de autoridades e cidadãos. Precisam
atingir a famosa racionalidade kantiana que leva à obediência voluntária das
regras. A demagogia legislativa fabrica letras mortas, desmoralização
institucional e, no limite inevitável, a impunidade dos malfeitores.
O atual esforço do Senado para salvar a Lei Seca
repete o que ocorreu com a criminalização dos fumantes e o que cedo ou tarde sucederá
com o veto à cerveja nos estádios: a canetada populista cria uma aberração
legal que, ao primeiro questionamento sério, os nobres parlamentares
descabelam-se para remendar. Mas, em vez de buscar as adequações constitucionais
e os recursos humanos e financeiros necessários à sua aplicação, rabiscam uns artifícios
retóricos disfarçando a inviabilidade original da regra.
O pior é que a nova legislação deve enfraquecer
ainda mais sua própria idéia original. As autoridades precisariam de bilhões de
bafômetros e bilhões de kits de extração de sangue e bilhões de insumos destinados
a exames químicos em todos os recantos do país. Na falta de equipamentos, o
cidadão sequer precisará negar-se a produzir provas contra si mesmo, pois não
existirão meios de estabelecê-las, e as evidências subjetivas continuarão
inválidas para fins jurídicos.
Sem recursos técnicos, ninguém consegue determinar
se uma pessoa consumiu dois copos de cerveja trinta minutos antes. O Judiciário
ficará restrito a punir apenas os motoristas escandalosamente embriagados,
cujas condutas puderem ser evidenciadas, por exemplo, através de uma câmera de
celular. Nada mais distante da tão comemorada “tolerância zero”.
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