Entre o pastiche e a homenagem, no universo muito
particular que elabora desse jogo de referências, Quentin Tarantino desenvolve
uma identidade inegável. Talvez o excesso de alusões dilua sua força autoral,
mas podemos questionar se ainda existe originalidade algures, ou mesmo se ela é
tão importante assim.
O maior atrativo do filme repousa no excelente
roteiro, talento diferencial de Tarantino, que no fundo sempre foi um diretor visualmente
heterodoxo. Uma ressalva a esse conservadorismo, ou melhor, um jeito muito
próprio de exercê-lo, é o apreço por detalhes irrelevantes para a ação,
mas que ajudam a ambientar as cenas – por exemplo, os sapatos de couro da atriz
em “Bastardos inglórios”, a textura das luvas e a espuma do chope servido no
saloon, em “Django”.
O texto mistura lendas medievais alemãs, faroeste
barato, escravidão e racismo, ética e amizade, quase sempre bem-sucedido no
manejo de um curioso (e arriscado) tom de ironia. Usando absoluta liberdade
criativa, ignora licenças históricas para extrair diversão de temas sérios que
se mantêm relevantes mesmo num registro farsesco. Outra característica que o
assemelha a “Bastardos inglórios” é o protagonista em busca de vendeta, causa
que novamente o próprio Tarantino assume para si, insensível à verossimilhança.
Com diálogos impecáveis, dois personagens
antológicos (interpretados pelos maravilhosos Christoph Waltz e Samuel L.
Jackson), sequências marcantes (pelo menos a da cidade enlameada e a do ataque
de encapuzados), boas cenas de ação, primor técnico (fotografia do mestre Robert Richardson) e ótima trilha sonora, está muito acima do ramerrão habitual
dos tiroteios hollywoodianos. Inclusive da média vigente no Oscar.
Não vale a pena especular sobre as gritarias
politicamente corretas suscitadas pelo filme. Elas nasceram mais como repúdio à
figura controversa de Tarantino do que por motivos razoáveis. Ainda que eles existissem,
contudo, jamais permitiriam o patrulhamento de uma obra de ficção. Que, aliás,
nem precisaria ser tão boa.
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