A Copa do Mundo brasileira é motivo de comemoração e deve ser preservada contra qualquer iniciativa que tente sabotá-la.
Apenas os cínicos, os obtusos e a imprensa partidária têm justificativas para
desejar o fracasso do evento. Essa patologia vira-lata que se tornou moda nas
redes sociais reflete um esforço para dar vapores modernos e republicanos às
antigas tendências xenófobas, preconceituosas e elitistas do imaginário
colonizado.
Óbvio que há problemas de planejamento, execução e
controle. Talvez haja corrupção. Embora o governo federal tenha sua parcela de
culpa, nenhuma análise honesta sobre esse ônus pode ignorar o papel das grandes
corporações privadas e dos administradores regionais. As
construtoras dos estádios, as empreiteiras contratadas para melhorias, as
prestadoras de serviços e as concessionárias também precisam responder por
atrasos, desvios e negligências. Governadores e prefeitos, pelas verbas que
receberam do BNDES e que retiraram dos próprios orçamentos.
Os debates sobre a Copa transformaram-se em propaganda eleitoral para impedir que Dilma Rousseff receba os
merecidos benefícios de popularidade pelo grande evento que ajudou a
viabilizar. Generalizações falsamente neutras (“governo”, “dinheiro público”,
“bagunça”, “a resposta virá em outubro”) servem para livrar os políticos locais
e as empresas de questionamentos que embaralhem o maniqueísmo da indignação
farisaica. A solidariedade com os pobres termina assim que eles votam no
inimigo petista.
Continuo desejando uma derrota vexatória da seleção. O sucesso dos jogadores-de-empresário patrocinados pela CBF e
pela rede Globo simbolizaria o triunfo de um sistema viciado que manipula e apodrece o futebol nacional. Não é à toa que ele recebe o fervoroso
apoio da crônica esportiva, tão rigorosa nas suas denúncias contra a FIFA. A
farsa patriótica em torno da empáfia grosseira de Felipão e seus atletas
milionários é um insulto aos seguidores de Ponte Preta, Guarani e outros clubes
massacrados pela cartolagem televisiva, sob aplausos hipócritas da
imprensa bairrista.
A propósito, não acho que um título seria positivo
para a campanha dilmista. Primeiro porque o nexo é desautorizado
historicamente. Segundo, e mais importante, porque o voto nesse ano atribulado tende
à ruptura de expectativas e condicionamentos. O eleitor susceptível a tais
influências parece mais propenso a votar seguindo um viés oposto a seus estímulos
de torcedor do que alinhado com eles.
Gosto daquilo que o jargão “Copa das Copas” insinua,
sem querer, sobre a multiplicidade nacional. São mesmo torneios diversos no
mesmo evento. Há os sem-teto, índios, desapropriados, estudantes, vândalos,
colecionadores de figurinhas, a nova classe média, a elite deseducada, fanáticos
e indiferentes, bons e maus funcionários, bandidos, crianças, amigos, casais, preços
abusivos, crimes, revolta, festa, esculacho, prazer, filas, sustos, o beijo e a
porrada.
Nenhuma razão para vergonha. O Brasil não é,
felizmente, a ilusão homogênea e previsível que os provincianos acalentam. Quanto
mais polêmica, desafiadora e contraditória for a experiência da Copa, mais
potente e complexa a imagem que o país construirá, inclusive para os
brasileiros. Essa riqueza também inclui os oportunistas que se dedicam a
destruí-la.
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