segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Direitos em marcha a ré


A partir de 1º de outubro, o transporte coletivo de Campinas deixou de aceitar pagamentos em dinheiro. O usuário agora deve estar cadastrado no Bilhete Único ou possuir cartões avulsos, disponíveis em pontos comerciais da cidade.

Trata-se de grave desrespeito ao interesse público. O cidadão amargará diversos prejuízos e contratempos sem receber vantagens equivalentes. Apesar da retórica falsamente inclusiva das autoridades, tudo se resume a permitir que as concessionárias melhorem sua arrecadação, cortem gastos e se livrem de malfeitores.

A mudança é flagrantemente ilegal. Segundo a Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), o transporte configura “prestação de serviços” (artigo 3), que se faz obrigatória sob imediata remuneração em dinheiro, independente da compra de outros bens (artigo 39). O mesmo artigo veda onerar o custo das passagens de forma desigual, ainda que temporária, como ocorre na cobrança pelo suporte físico do bilhete (sintomaticamente apelidado “casco”).

O transporte público recebe estatuto de “serviço essencial” na Constituição Federal (artigo 30), configurando o chamado direito-meio, fundamental para o exercício das demais prerrogativas básicas de cidadania. Essa condição jurídica presume que o uso de ônibus urbanos deve ter caráter permanente, universal e soberano, acima de condicionantes econômicas, materiais ou burocráticas.

A medida também esbarra em sérias barreiras práticas para usuários eventuais. Idosos, portadores de necessidades especiais e gestantes enfrentam distâncias absurdas para comprar os cartões avulsos, correndo o risco de não encontrá-los. E não se trata apenas de visitantes de outras cidades. Basta imaginar o morador da periferia que precisa de atendimento médico emergencial numa noite de domingo.

Para ter mínima eficácia e natureza verdadeiramente “modernizadora”, a mudança exigiria a venda automática de bilhetes em todos os pontos de ônibus. Aliás, já que o suposto modelo do novo sistema vem de países desenvolvidos, precisaríamos também desfrutar de veículos asseados, pontuais e numerosos. Mas tamanhos avanços demandariam uma capacidade administrativa que o governo Jonas Donizete (PSB-PSDB) não exibiu nesse triste episódio.

Por que o Procon, o Tribunal de Contas do Município e o Ministério Público não se posicionam a respeito? Esperam a primeira morte causada pela falta de um mísero pedaço de plástico? Ou o fim do período eleitoral já conseguirá despertá-los?

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