segunda-feira, 24 de novembro de 2014

A conveniência da palavra democracia















Certos meios intelectualizados articulam discursos sobre a maldade petista usando uma espécie de perplexidade cívica para disfarçar os sintomas da ressaca eleitoral. Ao contrário dos debates biliosos do ressentimento derrotado, porém, essas manifestações merecem contrapontos imediatos, antes que seus veredictos pretensamente apartidários criem narrativas hegemônicas em torno das últimas eleições.

No artigo “A conveniência da palavra ódio”, Beatriz Bracher parte do pressuposto de que as estratégias da campanha de Dilma Rousseff foram excessivas, trapaceiras, imorais. O uso de perguntas retóricas exime a autora de fazer acusações diretas, mas restringe o espaço da dúvida ao mínimo. Aceitando seu raciocínio silogístico, o leitor se convence de que o PT rompeu os limites “aceitáveis” para vencer.

Ora, o mesmo jogo de insinuações serviria para inverter o sentido dos questionamentos. “Não pode ser considerado normal” a mídia acusar a presidenta de criminosa a dois dias do pleito. “Ou pode? É um excesso aceitável?” Quem divulgou que o doleiro preso havia morrido? “É legítimo? É punível pela lei atual? Por que não foi investigado?”

Se queremos resgatar “a civilidade da nossa democracia”, tenhamos então a idoneidade e a coragem de abordar as atuações da imprensa e do Judiciário na campanha. Esses âmbitos são fundamentais para estabelecermos o sistema de valores que norteará a disputa. É no campo institucional que nasce o vale-tudo das eleições brasileiras.

Existem muitas ferramentas para “retirar a legitimidade da crítica”. O estigma do ódio alheio é uma delas. Mas a apropriação do conceito de democracia pelos oposicionistas indignados soa igualmente mistificadora. Parece apenas um pretexto chique e ilustrado para desqualificar adversários e alimentar revanchismos estéreis.

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