Publicado no Brasil 247
Os empresários presos pela operação Lava Jato afirmam que sofreram extorsão dos diretores da Petrobrás. Negando-se a pagar
propinas, não conseguiriam exercer suas atividades e favoreceriam a
concorrência, pois alguém sempre estaria disposto a aproveitar a malandragem. Embora
deva ser descartada como justificativa ou atenuante do crime, a alegação fornece
alguns tópicos proveitosos para análise.
Costumamos abordar o tema da corrupção entrincheirados
numa fantasia de legalismo absoluto, mas essa postura é cômoda e ilusória.
Cômoda porque nos permite condenar atitudes alheias usando critérios que deixamos
de aplicar a algumas de nossas próprias decisões. E ilusória porque parte do pressuposto
de que a observância irrestrita das normas é viável em certos ambientes.
O comodismo pode ser vislumbrado na violação cotidiana
das normas de trânsito. É tristemente sintomática a tolerância que elas desfrutam na sociedade, mesmo em épocas de indignação moralista. Porém,
se admitirmos diferenças de grau para certas irregularidades (que as tornariam
“aceitáveis”), contrariamos a premissa da honestidade inflexível que enfia todo
desvio no mesmo pacote condenável.
Já a ilusão advém da ignorância sobre o
funcionamento das compras públicas. Quem participa de editais sempre depara com
exigências comicamente restritivas para qualificação dos
interessados. É comum haver preços vencedores que inviabilizam a observância
das normas previstas ou que extrapolam margens razoáveis de lucro e despesas.
Isso acontece em todos os níveis de governo, e diariamente.
A vitimização e o pragmatismo embasam o gesto
irregular na vida em sociedade. A safadeza dos políticos justifica a sonegação
de tributos, a impunidade alheia incentiva o ato lesivo e assim por diante. As esfarrapadas
desculpas das empreiteiras transferem o raciocínio para uma escala gigantesca,
mas, no domínio conceitual (ético, se preferirem), guardam a mesma simbologia
de um automóvel parado em fila dupla.
Não é posição muito diversa daquela que afirma a inocência
dos governantes tucanos que conviveram com a máfia dos cartéis metroviários. As
gestões de Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin foram vítimas do conluio
malvado e, portanto, estão livres de qualquer consequência punitiva. Como se
elas não tivessem os meios e a obrigação de fiscalizar a legalidade dos
contratos e aditivos.
Eis por que a abordagem seletiva do
escândalo da Petrobrás redunda em enorme desserviço à luta contra a epidemia da
corrupção. Cria-se a fantasia de que os desvios são exceções localizadas no
interior de um padrão honesto, dando à opinião pública o falso consolo de que
basta prender meia dúzia de larápios para que o resto do sistema continue
limpo. Em vez de questionar o silêncio das autoridades fiscalizadoras perante décadas de falcatruas na estatal, o cidadão se contenta em saber
que uns bodes expiatórios foram sacrificados para redimir a sua consciência
infratora.
Boa parte dos ruidosos paladinos da moralidade que
se horrorizam com a Petrobrás tem comportamento social muito parecido com o dos
pagadores de propina. E usa idênticas justificativas canhestras para gozar as
benesses do famoso “jeitinho brasileiro”. Todos são vítimas até que se prove o
contrário.
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