quinta-feira, 14 de abril de 2016

Sobre o desejo do golpe


















No texto “Golpes e Desejos”, Diego Viana afirma que o governismo alimenta um apreço inconfessável pela ideia de golpe, que salvaria sua identidade esquerdista em meio ao fracasso administrativo federal. A hipótese é interessante, mas o autor chega a esse diagnóstico evitando alguns temas que poderiam desautorizá-lo.

O “déficit democrático” que sufoca os pobres e as minorias recebe endosso dos mesmos campos institucionais empenhados no impeachment. Se Viana usasse o fato como ponto de partida, perceberia que a causa governista não fica assim tão distante das demandas populares, apesar de tudo.

Outra evidência ignorada pelo artigo é a obsessão do oposicionismo jurídico-midiático em destruir as chances reeleitorais de Lula. A projeção desejosa afirmada pelo contraponto com a direita não estaria então ligada a um esquerdismo ilusório, mas à memória de uma experiência administrativa bem-sucedida. Gesto que pode ser bastante sóbrio e pragmático, portanto, e não simples delírio coletivo.

Viana parece excessivamente preocupado em basear a crítica ao impeachment numa desqualificação prévia do governo federal e do petismo. Adota, invertido, o vício criticado por ele nos governistas: quem se opõe a Dilma e a seus algozes só pode ser de esquerda. E assim está autorizado a denunciar o golpe.

Talvez por causa desse esforço de identificação, o autor idealiza os “levantes” de 2013, como se uma entidade imaginária autenticamente progressista jogasse o governo ao pólo oposto. A idealização simplifica um fenômeno complexo e multifacetado, que abarcou inclusive facções saudosas do lulismo, além de grupos indignados que engrossariam os protestos pelo impeachment.

Não pretendo inocentar Dilma ou o PT das respectivas incompetências. Tampouco menosprezo os benefícios que as imagens de ambos e de Lula recebem dos métodos rudimentares da oposição. Tendo em vista o nível dos ataques que sofrem, contudo, seria tolice desprezarem a força da memória discursiva do golpe militar de 1964. No mínimo porque ela foi mobilizada pelo antipetismo em primeiro lugar.

De qualquer forma, transformar a vítima em cúmplice potencial da violência é uma premissa perigosa, cujas implicações dispensam comentários. No caso específico, não resta dúvida de que o governismo preferia cruzar os próximos anos em relativa estabilidade, chegando a 2018 sob o signo do retorno saneador de Lula.

Finalmente, é cômodo limitar a abordagem fantasmagórica ao imaginário petista. Ela teria algo bem mais relevante a dizer sobre os setores oposicionistas da militância de esquerda, ora incapazes de fornecer respostas viáveis aos desafios da política real, ora hesitantes em abraçar plataformas incontestáveis por receio de soar adesistas.

No curso dessas oscilações, transparece o desejo de que o golpe aconteça de fato, com imensos prejuízos à democracia, apenas para alguns oportunistas saborearem a derrota do PT. De preferência culpando o partido também pelo retrocesso que seus adversários engendram.

Nenhum comentário: