segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017
Privilégios
Há algo muito esquisito na metamorfose que vem sofrendo a percepção pública acerca do STF. Menos de um ano depois de servir como alicerce moral do golpe, a corte virou uma espécie de paraíso da delinquência política. E quem o diz é a própria claque da Lava Jato, com suporte da mídia corporativa.
A demonização marqueteira do foro privilegiado, que já alcança o nível de campanha civilizatória, só pode ser tomada como afronta à idoneidade do tribunal. Caso contrário, o julgamento dos egrégios ministros, com a rapidez e o rigor que lhes cabem, seria visto como a grande arma da cruzada anticorrupção.
O que teria mudado nesse curto período? Como foi possível se deteriorar tanto a imagem de uma instituição festejada há pouco pelos mesmos setores que ora a desqualificam? E ainda hoje tais interesses não continuam sendo protegidos pelo STF?
As respostas estão disponíveis na lista dos personagens ameaçados pelas novas delações da Odebrecht. Ou melhor, daqueles que ocupam cargos legislativos ou de primeiro escalão governamental, isto é, que ficariam à mercê do STF em eventuais indiciamentos. Sem as prerrogativas de foro, escapariam do julgamento sumário e sorveriam as benesses protelatórias das instâncias inferiores. Como Eduardo Azeredo, por exemplo.
Uma revisão do foro livraria o STF do desgaste maior de, no futuro próximo, desmontar o paradigma punitivo que vigorou com o PT no poder. A corte já não sabe direito o que fazer com os réus perigosamente tagarelas que ameaçam desmoronar o governo Temer. O acréscimo da temível nobreza tucana ao rol de indiciados não anuncia outra saída senão uma humilhante complacência garantista que, a partir desses protegidos, inviabilize parte da rede probatória da Lava Jato.
Some-se a isso as pretensões de Lula, cada vez mais fortalecidas e, nestas circunstâncias, irrefreáveis. A possibilidade dele ser jogado às feras curitibanas, à parte o estrago que causa numa disputa eleitoral, exime o STF de lidar com as ações envolvendo o petista. Condenar um réu aclamado pelas urnas, em processos frágeis e talvez irregulares, demandaria certos sacrifícios que os ministros não devem estar dispostos a fazer.
Também a cúpula da Lava Jato amealha benefícios na luta contra o foro privilegiado. Na pior das hipóteses, transforma a prerrogativa (e o STF) em bode expiatório para o previsível degringolar da operação. Na melhor delas, concede às cortes intermediárias o poder de selecionar as suas vítimas e de aniquilar carreiras políticas antes que a corte máxima interponha as tardias correções.
De fato, nunca houve tanta gente no país preocupada com a questão da impunidade.
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