segunda-feira, 29 de maio de 2017

Diretas já?




Desconfio ser inviável qualquer caminho para a eventual substituição de Michel Temer que fuja ao voto indireto. Sim, há medidas jurídicas e legislativas que poderiam dar substância constitucional à proposta. O problema é que ela não interessa às únicas esferas capazes de viabilizá-la.

O Legislativo jamais abriria mão do controle da agenda sucessória, em véspera eleitoral, amargando o descrédito generalizado perante a classe política. E o Judiciário dificilmente aceitará tamanha responsabilidade, comprando uma briga intervencionista, sob o desgaste do seu endosso ao próprio golpe parlamentar que originou todo o imbróglio.

Mas, acima de qualquer prurido de legalismo tardio, a ideia de eleições imediatas parece natimorta porque embute chances imensas de tornar Lula presidente. Ainda mais numa campanha curta, fustigada pelo radicalismo e pela insatisfação, com os demais candidatos disputando a tapa o eleitorado antipetista.

Não nos iludamos. O apoio superficial e retórico da imprensa corporativa ao impeachment de Temer visa a inelegibilidade exemplar de Dilma Rousseff no TSE e o acirramento da pressão sobre os tribunais que julgarão Lula. Criando a fábula da isenção judicial para que as redações entretenham os espectadores durante o sacrifício.

O afastamento de Temer possuirá também função apaziguadora. O plano do golpismo institucional é manter a aparência de normalidade, sob um fantoche conciliador, até que a festa democrática esteja a salvo de Lula. Temer passou a representar enorme obstáculo a essa higienização, inclusive fomentando os protestos de quem a defende.

Todo o condomínio golpista unirá forças para evitar o colapso do último projeto que ainda o harmoniza. Juristas, lideranças partidárias e religiosas, imprensa, empresários, será um verdadeiro rolo compressor. “Diretas já é golpe”, repetirão os sabujos, provando mais uma vez que o endosso da direita à vontade popular tem limites pragmáticos.

Ao primeiro sinal de que as coisas pudessem fugir ao controle, por exemplo uma reedição do “queremismo” varguista centrada em Lula, as cortes atropelariam os ritos processuais e o colocariam na cadeia. Com as polícias e talvez o Exército garantindo a subserviência das ruas e os editoriais vociferando contra o caos vermelho.

Isso não anula a importância dos protestos pelas “Diretas já”. Porque ajudam a impedir as reformas de Temer. Porque talvez ganhem um volume capaz de reinserir a sociedade no âmbito das decisões políticas de gabinete. E porque sepultam a narrativa legitimadora do golpe, que foi uma eleição indireta semelhante à de 1964.

Mas certa consciência das verdadeiras questões em jogo daria aos manifestantes um antídoto contra o cinismo das autoridades. Fingir que o fator Lula não influencia o destino das exigências predispõe o público a acreditar que sua previsível rejeição se deverá apenas a questões de cronograma, orçamento ou segurança jurídica.

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