segunda-feira, 10 de julho de 2017

A cultura do golpe



Em texto já meio remoto, Jorge Coli perguntava: se o repasse orçamentário à Cultura é tão pequeno, por que diabos cortá-lo ainda mais? Que tipo de economia pode gerar a metade do ínfimo? Faria mesmo alguma diferença nas contas da União?

Crise nada. A motivação do garrote cultural é ideológica. Vingança contra uma classe polêmica e indócil por natureza, que constrange autoridades e mete rachaduras na sua blindagem apaziguadora. Castigo de patrão.

Mas o fenômeno tem apoiadores até nos próprios círculos que, supostamente instruídos, deveriam rechaçá-lo. É impressionante a quantidade de acadêmicos, educadores e profissionais da Cultura que repetem, nos debates virtuais, jargões do tipo “mamar nas tetas do Estado” e “perder a boquinha”.

Encontramos esse ranço de capiau nas últimas polêmicas envolvendo artistas politizados que receberam verbas públicas. Por exemplo, no protesto da equipe de “Aquarius” em Cannes e no discurso de Raduan Nassar ao receber o Prêmio Camões.

Abocanha verba de tributo? Faça bonito no festival e agradeça ao painho pelas migalhas estatais que ele salpicou no filme, com nojo, para posar de mecenas florentino. Não gosta do governo? Recuse o dinheiro generosamente oferecido, ou, no mínimo, tenha a elegância de contribuir para o asseio europeizado da festa.

Mas todos no meio sabem que não há Cultura sem subsídios, programas estatais de fomento, bolsas, etc., em qualquer lugar do planeta. Que as chamadas “tetas” e “boquinhas” constituem políticas públicas de interesse estratégico para as democracias culturalmente sólidas. Então por que os sabujos defendem o oposto do óbvio?

Porque empresário não financia obra polêmica, provocativa, indigesta. Porque os editais benemerentes do capital privado selecionam seus contemplados pelos bons antecedentes políticos, ou pelo aval censório das corporações midiáticas, igualmente ideológico e autoritário. Porque, na “meritocracia da grana”, militante não tem vez.

Artista bom é artista passivo, apolítico, antitudo. No máximo encenando o Bukowski de chinelos em botequim da Vila Madalena, bradando palavrões e tiradas pseudoglauberianas ilegíveis. Afagando os egos de apedeutas aduladores e burocratas de feiras literárias, em troca de indicações, convites, brindes e beijocas.

A resposta a essa patologia é política sim. E o embaraço que ela causa diz muito, não apenas sobre a importância da Cultura e da Educação, mas principalmente sobre os ataques que a intelectualidade progressista vem sofrendo nos últimos anos. O desmonte financeiro desses setores faz todo o sentido.

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