segunda-feira, 3 de julho de 2017
A lógica adversativa da Lava Jato
O viés político está para a Cruzada Anticorrupção como o rateio desigual de verbas para os campeonatos futebolísticos de pontos corridos. Não são defeitos, e sim condições para a existência dos respectivos sistemas. Suas fórmulas pretensamente igualitárias servem apenas para legitimar os vícios inevitáveis das combinações.
Assim como os campeonatos da CBF são formatados pelos interesses dos grandes clubes, a Lava Jato prosperou porque agrada às tendências ideológicas predominantes na esfera judicial. Isso inclui domesticar a bandeira da moralização, mantendo seus métodos incriminadores longe de certos grupos políticos, em especial a cúpula do PSDB paulista.
Basta imaginar o que aconteceria a procuradores e magistrados que fizessem uma devassa no patrimônio da família Serra, divulgassem grampos ilegais envolvendo Geraldo Alckmin, arrombassem o instituto de FHC ou confiscassem os bens pessoais de João Doria. Ou mandassem prendê-los com base em delações e no “domínio do fato”.
É exatamente o absurdo dessas hipóteses que escancara a lógica partidária da Lava Jato. Não faltam escândalos a averiguar. Nem tentativas de envolvê-los nas delações de Curitiba. Tampouco vias legais para mobilizar as instâncias competentes, como ocorreu em tantos casos. Menos ainda precedentes condenatórios abertos com os próprios petistas.
Pois o tucanato de São Paulo escapou do arrastão condenatório da Lava Jato e operações anexas. Estatística simples, de fácil aferição, que dispensa teorias e passa ao largo da (discutível) legalidade dos processos. O conceito de isonomia não presume linhas corretas de atuação, mas sim que as adotadas valham para todos, em circunstâncias similares.
Sempre que lidamos com eventos originalmente viciados, seus defensores seguem uma lógica baseada na famosa conjunção adversativa. “As condições de disputa são desiguais, mas ela usa critérios justos”. “Tucanos ficaram impunes, mas corruptos foram punidos”. “Rouba mas faz”.
Parecem fórmulas razoáveis. O problema é a necessidade de impor contrapontos positivos a relações basicamente causais. Critérios justos só existem no futebol quando submetidos à desigualdade financeira. Corruptos foram punidos exatamente porque não pertencem ao PSDB. “Fazer” propicia o roubo.
Há quem sugira passar uma espécie de “navalha de Ockham” no debate sobre a Lava Jato, descartando esses dilemas morais. As baixas civilizatórias seriam custos necessários da intervenção saneadora na esfera política, meios questionáveis para uma finalidade nobre.
Ora, não há nada mais distante dessa quimera do que um sistema punitivo que aplica diferentes critérios segundo as filiações partidárias das vítimas. O que vemos é apenas o velho patrimonialismo político reciclando as estratégias de autopreservação. E usando a própria fórmula arbitrária da Lava Jato para derretê-la antes que saia do controle.
Os apoiadores da Cruzada fingem que ela é algo que sua própria natureza não permitiria que fosse. E, apropriadamente, baseiam-se em pressupostos que os fatos desautorizam. Tudo parece aceitável no império da lógica adversativa.
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