quarta-feira, 19 de julho de 2017

Sérgio Moro e os sonâmbulos ideológicos



Tanto a base material quanto a estrutura argumentativa da sentença de Sérgio Moro contra Lula são pobres, indignas dos recursos empregados no inquérito. Em resumo, e passando ao largo da sintomática verborragia defensiva do juiz, a condenação usa indícios e ilações que a lei brasileira não aceita como elementos probatórios. Chego a duvidar de que existam precedentes similares envolvendo réus anônimos.

Dizer que as “informações colhidas pelo Ministério Público” levariam à prisão do petista em certos países é tão inútil quanto dizer que ele seria absolvido em outros. Quem gosta de comparações deveria indagar o que teria acontecido à Lava Jato, nas cortes estrangeiras, depois dos seus grampos ilegais e vazamentos clandestinos.

Certos especialistas vêm a público lembrar o “princípio do livre convencimento” de Moro, louvando a “coerência” da sua decisão. Mas os doutores creem de fato nessa bobagem? Concordam com a tentativa de compensar a falta de provas pela tese de ocultação? Com a metáfora anatômica dos nove anos e meio da sentença?

Acho que não. Da mesma forma, desconfio que nenhum dos analistas midiáticos (ou dos ministros do STF) esteja verdadeiramente cego aos métodos arbitrários de Moro e ao absurdo dele usar delações “informais” e matérias de jornal para driblar a sua dificuldade de incriminar Lula. Convenhamos, é bem fácil perceber essas coisas.

Parece-me que a própria natureza cínica da Lava Jato acionou uma espécie de “regime de hipocrisia” nos círculos antipetistas, um sonambulismo ético do qual as pessoas se negam a despertar, apegadas ao transe civilizatório da Cruzada Anticorrupção. Quanto menos relevantes forem as ninharias usadas contra Lula, maior a resistência dos nefelibatas a reconhecer sua frustração com o desfecho da caçada.

A narcose ideológica serve também como álibi de ignorância útil. Forçando a moralidade xiita, muita gente escapa de discutir os temas jurídicos envolvidos no processo. O debate fica boiando nas platitudes juvenis de Moro sobre ninguém estar acima da lei, e jamais penetra nas falhas objetivas da sentença.

Aí percebemos que o aspecto moral do caso Lula ajuda a manter o seu tênue conteúdo jurídico de pé, dando uma falsa robustez à gelatina de improvisos técnicos da ação. A criticável proximidade do petista com empreiteiros, por exemplo, vira uma garantia de que toda acusação adjacente possui algo de incontroverso. Provas são desnecessárias quando “sabemos a verdade”.

Critérios subjetivos do tipo já seriam ilegítimos se aplicados na destruição indiscriminada de toda a classe política. Usá-los para impedir uma candidatura singular não é aceitável sob qualquer pretexto hermenêutico. Não no país do fisiologismo impune, dos cartéis bilionários, das máfias de editais, dos prefeitos com assessores do PCC. Não por um apartamento no Guarujá, que Lula nunca possuiu ou ocupou.

Sem o esqueleto de farisaísmo e ressentimento, a condenação de Lula desabaria sozinha.

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