Sumiram os paneleiros, as camisetas amarelas, as festas midiáticas da cidadania. Acabaram os grampos nas celas curitibanas e o tráfico policial de informações sigilosas. O STF não ordena mais a prisão de parlamentares, que desistiram de zelar pela idoneidade presidencial. Tampouco as tevês divulgam flagrantes com teleobjetiva das intimidades palacianas. Desapareceu o pessimismo cataclísmico dos colunistas. Até as vinhetas radiofônicas pedindo o fim da Voz do Brasil foram abandonadas.
Essas práticas pertencem mesmo a um passado remoto, bons velhos tempos em que o petismo era causa e consequência das tragédias nacionais. Valia qualquer deslize pelo interesse público. Imprensa, OAB, CNJ, Judiciário, todos faziam vistas grossas para as mais flagrantes irregularidades, os mais cínicos desvios de conduta, os mais perigosos precedentes. “A sociedade tem o direito de saber” era o lema de antanho.
Mas faltou mencionar outro importante símbolo daquela época, tão esquecido quanto significativo: o afã judicial de atingir o “chefe do bando”. O aperto nos delatores, a condução dos depoimentos, a chantagem com familiares, as prisões preventivas intermináveis, enfim, o esforço investigativo para construir provas contra figuras políticas que ocupavam postos de comando durante as malfeitorias.
O “procedimento Lula” esgotou-se num passe de mágica. Quer dizer, permanece apenas para seu alvo original. Assim que passaram a lidar com senadores, ministros e governantes do PSDB, promotores e magistrados ficaram comedidos, respeitosos, legalistas ao extremo. Não querem saber quem foi o líder do esquema, o capo, o Manda-Chuva, o cabeça, o nome na etiqueta principal do PowerPoint.
Quantas suposições constrangedoras sairiam de réus ligados a Aloysio Nunes, José Serra, Geraldo Alckmin e até FHC, caso os inquéritos tivessem o afã de atingi-los? Quantas ilações incriminadoras os depoentes fariam se os grão-tucanos figurassem nas hipóteses centrais dos interrogatórios? E as manchetes geradas pela estratégia? Os processos baseados no “domínio do fato”? As conduções coercitivas?
Repito: com tais características, a Lava Jato não existiria. Ela só vingou porque previu a etapa que vemos gestar-se, na preservação do condomínio golpista, na blindagem da cúpula do PSDB, no esvaziamento das delações, enfim, no gradativo desgaste que anuncia o abandono da operação. Por isso não acho que tenha mudado o paradigma. A própria seletividade ideológica o justifica e viabiliza. As vítimas de hoje produzem a narrativa garantista que poupará os beneficiados de amanhã. O tempo gasto em certificar a condenação de uns permitirá que os crimes de outros prescrevam. E, afinal, o escudo subjetivo da hermenêutica soma um planeta de incoerências e uma galáxia de explicações cínicas.
Essas metamorfoses constituem a dinâmica do espírito cruzado anticorrupção. Sempre foi assim, e de conhecimento geral, principalmente da claque intelectualizada da Lava Jato. Não há ingenuidade possível que ignore os limites, à esquerda e à direita, que emolduram a sanha moralista das instituições e os seus critérios de justiça. Resta apenas a hipocrisia.
Mas recordar é viver, já dizia o samba clássico.
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