segunda-feira, 3 de abril de 2023

Entre farsas e bocejos



É quase um dever cívico desconfiar de ações da Polícia Federal envolvendo Sérgio Moro. Essa conjugação amiúde gerou arbítrio, desde oportunismo propagandístico até violação de direitos. Lula apenas tornou pública uma suspeita que deveria ocorrer a todos os democratas.

Isso dispensaria maiores conhecimentos sobre o tal inquérito do PCC. Quem não enxerga na biografia de Moro e no histórico da PF motivos suficientes para incredulidade normaliza os delitos da Lava Jato e seu papel na ascensão do fascismo no país.

Manifestar dúvida, ato performativo de linguagem, não descreve acontecimentos do mundo. Isso vale também para convicções. Moro não embasou as suas e jamais houve manchete na Folha de São Paulo afirmando que ele condenou Lula “sem apresentar provas”.

Veículo tendencioso procura só o que quer encontrar. A única referência da mídia para dizer que Lula mentiu foi uma versão antagônica. E, mais importante, uma versão constatativa, que deveria passar por verificação antes de ser tomada como verdadeira. Verossímil não era.

O jornalismo das checagens seletivas alimenta fetiches loucos pela PF. Começou na Lava Jato (claro), atravessou vazamentos clandestinos e desaguou no estranho atentado a Bolsonaro, auge da crença midiática na corporação. Os policiais têm enorme talento persuasivo.

Moro disse que, se lhe acontecer “alguma coisa”, a culpa será de Lula. Ninguém quis saber de provas para uma acusação dessa gravidade Como o noticiário reagiria diante de uma liderança petista que insinuasse que o senador planeja encenar um ataque a si mesmo?

A reaparição da juíza Gabriela Hardt, vitimizando o colega às vésperas do depoimento de Tacla Duran, é a parte exposta de um iceberg narrativo muito mal contado. A histeria em torno da entrevista de Lula visou jogar o bode na sala. Finda a polêmica, mudam de assunto.

Acho apressado ver erro no gesto de Lula. No mínimo ele desequilibrou o viés único da pauta. E não é absurdo supor que o lado negativo da exposição de Moro tenha reduzido a sanha conspiratória do lavajatismo. A repercussão do próximo factoide tornou-se imprevisível.

Não entendo por que Lula deveria “esquecer Moro”, se todos os dias o governo batalha contra os danos que o ex-juiz causou. Ele não merece o conforto do ostracismo. E o presidente pode (e deve) continuar expondo as origens institucionais desse pesadelo que não termina.

Querendo escolher adversários, Lula decerto optaria por um desqualificado irrelevante. Mas o falso protagonismo de Moro no enredo já havia sido imposto pela cobertura noticiosa. Se lhe conferem estatura de mártir justiceiro, ele cabe também no figurino de inimigo da democracia.

O episódio serve para a esquerda ajustar sua bússola crítica à linha que divide a civilidade gregária e a tolerância a golpistas. O fato de os veículos abraçarem Moro com tamanha avidez mostra o nível do oposicionismo republicano que pretendem alavancar. De novo.

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