O aspecto mais tenebroso do caso da menina estuprada na carceragem paraense é que uma tragédia dessa gravidade esgote-se no âmbito da intriga político-partidária. A súbita e passageira perplexidade dos comentaristas não avançou além da retórica falsamente humanitária que costuma abordar episódios semelhantes.
Colunistas como Míriam Leitão e Eliane Cantanhêde (“Gente!”) salientaram a concentração de mulheres entre as autoridades ligadas ao escândalo. Mesmo que essa curiosa fabricação de contingências reforçasse um preconceito de gênero, que as autoras certamente condenariam (num ambiente masculino o fato seria compreensível?), sua dramatização atendeu a objetivos tão perniciosos quanto dissimulados. A condenação simbólica, “feminista”, de Ana Júlia Carepa escamoteou uma vingança ideológica contra a governadora filiada ao PT, protagonista de surpreendente vitória eleitoral e incômodo sucesso administrativo – apesar do absurdo carcerário.
Passada a fase dos desabafos inúteis, ataques pessoais e generalizações sobre a barbárie nacional, o assunto foi devidamente esquecido. Se algum desses samaritanos da grande imprensa tivesse a menor preocupação com a população carcerária, os jornais de todo o país seriam tomados por milhares de denúncias igualmente arrasadoras, diariamente. O sistema prisional brasileiro é uma insultante engrenagem de violação de direitos humanos, violências cotidianas e cinismo administrativo.
Outra conveniência de se abordar o Pará como antro da incivilidade nacional é desviar o foco da atenção dos descalabros ocorridos nos Estados mais ricos do país. Não por acaso, a maioria dos comentaristas que agigantou aquela onda de indignação é paulista ou fluminense. Os jovens seviciados por agentes públicos na infame Febem e os campos de concentração com seres humanos empilhados, seminus e doentes, simplesmente deixaram de existir no nosso belo e próspero rincão.
Em tempo: por incrível que pareça, existe uma “CPI do sistema carcerário” em andamento no Congresso Nacional. Sério. Ela é presidida pelo deputado Neucimar Fraga (PR-ES) e relatada pelo deputado Domingos Dutra (PT-MA). Seus endereços eletrônicos são dep.domingosdutra@camara.gov.br e dep.neucimarfraga.camara.gov.br. Talvez possamos incentivá-los a dar uma passadinha na penitenciária de Araraquara, na Febem de Franco da Rocha ou no Cadeião de Pinheiros. Só para tomar um cafezinho, trocar umas idéias, coisa e tal...
Nenhum comentário:
Postar um comentário