segunda-feira, 10 de março de 2008

Estados delinqüentes

São numerosas as análises da crise entre Colômbia, Equador e Venezuela que relativizam a culpa da administração Álvaro Uribe. Parece que salientar o caráter “terrorista” das Farc confere certa legitimidade “institucional” a qualquer atitude unilateral do governo colombiano. É, generalizando, a posição da direita brasileira. Lideranças partidárias, como José Sarney, manifestaram-se assim; comentaristas como Clóvis Rossi (“hidrófobos do lulopetismo”) também.
Insisto no problema humanitário que envolve os reféns da guerrilha. Esse Fla-Flu ideológico, tão característico da grande imprensa nacional, tenta pressionar a esquerda a condenar as Farc e solidarizar-se com seus inimigos. Mas o drama dos reféns não é político, nem policial, menos ainda estratégico. Trata-se de centenas de vidas que poderiam ser salvas, não fosse a intransigência de Uribe. Um meneio de flexibilidade faria toda a diferença.
Sim, hoje a intransigência é de Uribe. Se a guerrilha tivesse o mesmo radicalismo, estaria assassinando um refém por semana, ou cometendo atrocidades piores. Ao contrário, o único gesto de distensão partiu dela.
Qualificar as Farc como “terroristas” não muda nada. Essa nomenclatura passou a ser utilizada pós-11/9 para justificar qualquer violência que pareça conveniente aos interesses dos piores governos. O estatuto de infalibilidade conferido ao Estado é uma arapuca e um logro. Arapuca, porque seus defensores podem ser flagrados fazendo a apologia do autoritarismo de Bush ou Putin, apenas porque são governantes eleitos. E logro, porque governos também podem ser terroristas e porque há causas não-reconhecidas, ou criminalizadas, que independem da retórica governamental para serem justas.
Não sei se as ações das Farcs se enquadram nesse caso. Mas, antes de vilanizá-las, seria necessário estudar as origens desse longo confronto, que remonta a disputas políticas de meados do século passado. E obrigaria a resgatar os inomináveis massacres de membros do partido político União Patriótica, que começaram nos anos 80 e permanecem insolúveis (para conhecer essa arrepiante história, clique aqui). Também seria o caso de levantar as suspeitas de participação, passiva ou ativa, de membros do atual governo Uribe nesses assassinatos e em outras ações criminosas das brigadas paramilitares.
No último dia 6 de março, uma enorme manifestação pública tomou as ruas de Bogotá. Foi organizada pelo Movimento Nacional das Vítimas dos Crimes de Estado e exigiu investigações sobre a suposta ligação entre o governo colombiano e os paras, além do esclarecimento sobre as mortes de políticos da UP. A imprensa brasileira ignorou o ato, maior que a manifestação pró-Uribe de dias antes – esta sim, muito noticiada.
Uma abordagem humanitária ao impasse dos reféns é saída honrosa para aqueles que não querem se imiscuir na polarização ideológica, nem palpitar sobre hipóteses. Sem fornecer respostas satisfatórias às suspeitas de banditismo levantadas acima, o governo colombiano é suspeito da mesma delinqüência de seus combatentes.

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