Surgem sinais de que Fernando Lugo, presidente eleito do Paraguai, será assado pela grande imprensa brasileira. O falatório sobre Itaipu, se esmiuçado, revela uma boataria desnecessária, que só serve para prejudicar a relação entre os dois países e para deixar o paraguaio com ares de rebelde autoritário.
A renegociação das tarifas na usina fazia parte do programa de governo de Lugo, que qualquer curioso poderia conhecer havia meses. Convém discutir se as exigências paraguaias são justas (e talvez sejam), mas definitivamente não é isso que o noticiário está fazendo. Pelo contrário, nossos veículos tentam pressionar autoridades brasileiras a entrarem em conflito com as paraguaias, criando animosidades, impedindo alianças estratégicas.
Sente-se um odor de "evomoralesfobia" no tratamento ao paraguaio. Comparando as exigências deste com a apropriação da refinaria da Petrobrás pelo governo boliviano, cria-se uma associação de Lugo com Evo Morales, em seguida com Hugo Chávez e, um passo além, com Fidel Castro, o demônio do conservadorismo latino-americano. O clérigo católico de índole conservadora transforma-se, num golpe de retórica vagabunda, no mais novo produto do populismo de esquerda, atrasado e caricato, que pretensamente domina o continente.
Há muitos interesses envolvidos nessa palpitaria irresponsável, que de gratuita nada possui. A vitória de Lugo não é marcante apenas porque encerrou décadas de predomínio colorado em seu país (provavelmente o aspecto mais superficial do acontecimento, e não surpreende que se dê tanta ênfase a ele). Ela representará uma ruptura inédita nas relações internacionais dos países do Cone Sul.
Após os atentados de 11/9/2001, a diplomacia estadunidense defendeu a necessidade de controlar a chamada Tríplice Fronteira. Pressionando o governo paraguaio, os EUA conseguiram autorização para instalar bases militares na região do Chaco e um enorme complexo aeroportuário em Mariscal Estigarribia, além de outros empreendimentos que escapam à opinião pública. A presença militar ostensiva dos EUA traz todo tipo de conseqüência nefasta à soberania nacional, mas também ajuda a garantir os interesses dos investimentos estrangeiros em solo paraguaio, impondo uma intervenção externa nas negociações entre os países fronteiriços. Caso Lugo consiga cancelar essa “cooperação”, a Colômbia ficará isolada como o único protetorado militar estadunidense abaixo do Panamá e o Mercosul será grandemente fortalecido.
O afastamento da corja de sanguessugas insensíveis que exploram a população paupérrima do Paraguai será benéfico por natureza, independente de quaisquer outras conseqüências, mas não ocorrerá de forma completa ou imediata. Lugo ainda depende das instituições carcomidas e de forças políticas arcaicas para governar e sobreviver eleitoralmente. Seu trabalho é árduo e duradouro.
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