Esse factóide artificial do levantamento dos gastos do casal FHC foi uma invenção típica de Veja, panfleto reacionário de acabamento luxuoso, com um histórico pródigo em ações semelhantes. A cumplicidade da Folha de São Paulo não deveria surpreender, tendo em vista a atuação do jornal nos outros episódios polêmicos do governo Lula. É apenas mais uma antecipação preocupante da animosidade com que a imprensa se prepara para a sucessão de 2010.
A campanha contra Dilma Roussef tem ares de embate pré-eleitoral. Lula acabara de discursar, “ameaçando” eleger seu candidato, as pesquisas davam-lhe aprovação recorde e uma enquete sobre intenção de voto estava sendo preparada. Como apontei em postagem anterior, pelo menos um analista influente (Merval Pereira, da CBN) deixou clara a intenção de atingir Dilma, algo que outros discursos têm a polidez de disfarçar.
É fácil, como sempre, transferir a questão para o futebolismo ideológico em voga. Estamos acostumados ao baixo nível de Veja e congêneres, mas falta esclarecer satisfatoriamente o envolvimento de um veículo prestigiado como a Folha de São Paulo nessa patranha indigna. Não, as tentativas feitas até o momento (inclusive por seu ouvidor), não são suficientes.
Sintomaticamente, à medida que a barra começa a pesar, sua desmoralizada sucursal de Brasília mobiliza-se para distribuir justificativas. Ontem (1/4) ela gerou um artigo curioso, de Marta Salomon, intitulado “Argumentos do governo para dossiê não justificam base de dados paralela”, que tenta explicar a atuação da própria Folha, jogando a responsabilidade do caso para o governo federal.
O texto chama a atenção por sugerir uma idéia fixa: diz que o levantamento de dados teria “claro viés político”, repete que seriam “anotações de viés político”, e insiste na frase ainda outra vez, no quadro artístico explicativo que completa a página. No final das contas, como Merval havia feito, a jornalista desmascara motivações misteriosas, que deveriam ser apenas factuais ou, no máximo, analíticas.
Salomon finaliza com uma ponderação sobre a relevância dos gastos: “Embora o relatório - cuja autoria a Casa Civil assumiu - não contenha nenhum dado grave sobre os gastos de FHC, são fartos os registros de compras de bebidas alcoólicas ou de produtos de consumo supostamente suntuosos, como ‘estragão francês’ (R$ 91,14).” Engraçado. A tapioca do ministro não foi tratada com semelhante condescendência, mesmo tendo custado umas trinta vezes menos do que o estragão. Que critérios Marta Salomon utilizou para decidir se os dados são graves, toleráveis ou banais? E por que abordar os gastos do casal FHC com tamanha cautela, depois da Folha expor as compras da ministra no freeshop, publicar editorial defendendo a publicidade completa dos gastos com cartões e fazer campanha pela sua moralização?
Inverto, portanto, a manchete do artigo: os argumentos da Folha não justificam suas matérias sobre suposto dossiê.
A Folha reproduz a estratégia manipuladora da Veja, negando aos leitores informações fundamentais para a compreensão do caso: o levantamento de gastos não constitui crime, infração administrativa ou violação estatutária; se houve ilícito (vazamento de dados sigilosos para o público), sua autoria precisa ser prontamente esclarecida, pois o sigilo da fonte não pode ser utilizado para preservar a identidade de infratores. Portanto, tudo depende de sabermos como a imprensa obteve cópia desse material. Por que parece tão difícil obter resposta para perguntas tão singelas?
Feita a paspalhice, resta à Folha pelo menos empenhar-se em ir até o fim na apuração do evento, mesmo que para concluir numa constrangedora exposição de seus próprios defeitos.
Um comentário:
Li a reportagem da jornalista de ontem e concordo contigo.
Como, agora, argumentar o contrário do argumentado? Ou seja, para casos particulares a elucidação dos gastos têm de ser fato, mas para outros resta esconder??
Um tanto quanto contraditória.
Até o próprio Ombudsman da folha falou que o jornal está se manifestando unilateralmente. Um fiasco.
Abraco
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