quarta-feira, 4 de junho de 2008

Contracultura

A programação “Vida Louca, Vida Intensa” continua em cartaz no Sesc Pompéia (São Paulo), até 22 de junho. Programa bom e gratuito. Há uma exposição de cartazes, capas de discos e fotografias, shows, peças teatrais, debates e, principalmente, exibição de filmes em DVD, numa sala improvisada (os monitores podiam evitar correr pelo ruidoso tablado de madeira). No café, alguns livros de autores como Jack Kerouac, Allen Ginsberg, Torquato Neto, Norman Mailer. Trechos de Kerouac, Torquato e Roberto Piva podem ser ouvidos em fones dispostos pelas poltronas.
É difícil definir o conceito originário da “contracultura”. O termo implica negação, um involuntário afastamento da produção oficialmente reconhecida, adquirindo uma emanação alternativa que perdeu sentido nos dias correntes.
Certamente iconoclasta, mas de controversos efeitos revolucionários, a subversão cultural e comportamental vinha do imediato pós-guerra, com as errâncias, orgias e experimentações dos artistas beatniks. Surge aí o grande potencial criativo da diluição hippie dos anos 1960-70, graças à qual a “contracultura” foi simplificada até tornar-se eufemismo para liberação sexual e consumo de drogas. Mas ela permanecerá, ávida por tratamento digno dos teóricos, nas grandes realizações da literatura, da música e das artes visuais.
Assisti no Sesc a “Easy Rider” (1969, de Dennis Hopper), “More” (1969, de Barbet Schroeder) e “Psych-out” (1967, de Richard Rush), o primeiro por conveniência de horários e os outros dois porque são raridades em qualquer suporte. Os filmes estão impregnados de amadorismo. É um ambiente de aprendizado, camaradagem e gosto pela subversão muito parecido com o das pornochanchadas brasileiras dos anos 70.
"Psych-out" tem Jack Nicholson (com um infame aplique de rabo-de-cavalo), Bruce Dern e Dean Stockwell, ícones da transgressão hollywoodiana. É um filme visualmente interessante, quase bem dirigido, mas termina num golpe abrupto da preguiça ou da falta de recursos. Já “More” possui a beleza da atriz Mimsy Farmer (símbolo sexual da era hippie), algumas canções do Pink Floyd e a deslumbrante paisagem de Ibiza. E pouco mais que isso. Rush já era um veterano, mas até o momento não conseguiu igualar "O substituto" (1970), seu único filme digno de registro. Schroeder notabilizou-se em sucessos como "O reverso da fortuna" (1990), "Mulher solteira procura" (1992) e "Medidas desesperadas" (1998).
É curioso notar que, apesar do discurso apologético, todas as obras têm a mesma abordagem incomodamente melancólica e pessimista. O mesmo vale para outros títulos emblemáticos, como o sensacional “Zabriskie Point” (1970, de Michelangelo Antonioni, a grande ausência da programação). Os finais são implacavelmente trágicos e a força do mundo opressor revela-se imbatível.
O pessimismo autodestrutivo da cultura beat impregnou as utopias da geração “paz e amor”, ou estas é que estavam conscientemente fadadas ao ocaso?

Laszlo Kovacs

“Easy Rider” e “Psych-out” foram fotografados pelo húngaro Laszlo Kovacs (1933-2007), que trabalharia em cerca de setenta filmes, desde bobagens trash a sucessos como “New York, New York”, “Marcas do destino”, “Contatos imediatos do terceiro grau” e “O casamento do meu melhor amigo”. Foi um técnico esmerado, trabalhador incansável, aberto a experimentações e riscos.
Kovacs e seu grande amigo Vilmos Szigmond (um dos maiores fotógrafos cinematográficos de todos os tempos) são retratados no documentário “No subtitles necessary: Laszlo & Vilmos”, de James Chressanthis, que estreou no último Festival de Cannes. Angustia imaginar que sacrifícios serão necessários para sorver o filme nestes rincões desinteressados.

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