
É difícil definir o conceito originário da “contracultura”. O termo implica negação, um involuntário afastamento da produção oficialmente reconhecida, adquirindo uma emanação alternativa que perdeu sentido nos dias correntes.
Certamente iconoclasta, mas de controversos efeitos revolucionários, a subversão cultural e comportamental vinha do imediato pós-guerra, com as errâncias, orgias e experimentações dos artistas beatniks. Surge aí o grande potencial criativo da diluição hippie dos anos 1960-70, graças à qual a “contracultura” foi simplificada até tornar-se eufemismo para liberação sexual e consumo de drogas. Mas ela permanecerá, ávida por tratamento digno dos teóricos, nas grandes realizações da literatura, da música e das artes visuais.
Assisti no Sesc a “Easy Rider” (1969, de Dennis Hopper), “More” (1969, de Barbet Schroeder) e “Psych-out” (1967, de Richard Rush), o primeiro por conveniência de horários e os outros dois porque são raridades em qualquer suporte. Os filmes estão impregnados de amadorismo. É um ambiente de aprendizado, camaradagem e gosto pela subversão muito parecido com o das pornochanchadas brasileiras dos anos 70.
"Psych-out" tem Jack Nicholson (com um infame aplique de rabo-de-cavalo), Bruce Dern e Dean Stockwell, ícones da transgressão hollywoodiana. É um filme visualmente interessante, quase bem dirigido, mas termina num golpe abrupto da preguiça ou da falta de recursos. Já “More” possui a beleza da atriz Mimsy Farmer (símbolo sexual da era hippie), algumas canções do Pink Floyd e a deslumbrante paisagem de Ibiza. E pouco mais que isso. Rush já era um veterano, mas até o momento não conseguiu igualar "O substituto" (1970), seu único filme digno de registro. Schroeder notabilizou-se em sucessos como "O reverso da fortuna" (1990), "Mulher solteira procura" (1992) e "Medidas desesperadas" (1998).
É curioso notar que, apesar do discurso apologético, todas as obras têm a mesma abordagem incomodamente melancólica e pessimista. O mesmo vale para outros títulos emblemáticos, como o sensacional “Zabriskie Point” (1970, de Michelangelo Antonioni, a grande ausência da programação). Os finais são implacavelmente trágicos e a força do mundo opressor revela-se imbatível.
O pessimismo autodestrutivo da cultura beat impregnou as utopias da geração “paz e amor”, ou estas é que estavam conscientemente fadadas ao ocaso?
Laszlo Kovacs
“Easy Rider” e “Psych-out” foram fotografados pelo húngaro Laszlo Kovacs (1933-2007), que trabalharia em cerca de setenta filmes, desde bobagens trash a sucessos como “New York, New York”, “Marcas do destino”, “Contatos imediatos do terceiro grau” e “O casamento do meu melhor amigo”. Foi um técnico esmerado, trabalhador incansável, aberto a experimentações e riscos.
Kovacs e seu grande amigo Vilmos Szigmond (um dos maiores fotógrafos cinematográficos de todos os tempos) são retratados no documentário “No subtitles necessary: Laszlo & Vilmos”, de James Chressanthis, que estreou no último Festival de Cannes. Angustia imaginar que sacrifícios serão necessários para sorver o filme nestes rincões desinteressados.
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