Tom Tykwer deparou-se com esse gigantesco obstáculo ao filmar o romance de Patrick Süskind, cujo enredo é totalmente fundamentado naqueles dois sentidos, irreproduzíveis sem o auxílio da palavra. A narração em off, de John Hurt (repetindo o que ele fez em “Dogville” e “Manderlay”, de Lars von Trier), veio a calhar para suportar a demanda. Mas o sucesso do projeto advém da espantosa fotografia de Frank Griebe, que consegue captar as texturas e superfícies quase como se pudéssemos tocá-las – não sentimos seus odores, evidentemente, mas o domínio da materialidade aproxima-nos da percepção olfativa; e não seria possível exigir mais.
A reconstituição histórica é primorosa, escancarando a putrefação, a desumanidade e o atraso cultural dos grandes centros urbanos europeus (Paris, no caso) durante o Antigo Regime. A botica do mestre italiano, representado por Dustin Hoffman, remete à coleção farmacológica do Palácio Real de Madri. O final grandioso, subversivo no limite da heresia, lembra o clímax de “Zabriskie Point”, de Antonioni, talvez com subtextos invertidos.
A crítica brasileira tem uma implicância tola com o diretor alemão. Talvez seja por causa do sucesso “Corra, Lola corra”, ao qual muitos torceram os narizes, afetando até mesmo o bom “Paraíso” (2002), com roteiro do mestre Kieslowski. Não conheço o romance de Süskind, mas revejo “O Perfume” com a sensação de que, dentro das limitadas possibilidades, Tykwer e Griebe realizaram algo digno de registro.
Um comentário:
Concordo inteiramente com você. O filme foi subestimado pela crítica, e não só no Brasil. O trabalho de sugestão sinestésica dos odores através das texturas da imagem e de detalhes das interpretações dos atores é fenomenal.
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