Publicado na revista Caros Amigos em agosto de 2008, com o título "Conservadorismo de esquerda degenera em autoritarismo"
Os grandes partidos socialistas não perderam a razão de ser, como querem seus adversários, mas precisam encontrar renovações programáticas e metodológicas que suplantem o perigo da obsolescência. A identidade progressista não pode resumir-se à defesa genérica do Estado, da igualdade social, do meio-ambiente e de grupos minoritários – plataformas insuficientes para as pretensões envolvidas e sujeitas à apropriação por qualquer projeto de poder.
A adesão ao pragmatismo eleitoral, embora inevitável e talvez positiva em longo prazo, trouxe consigo o cinismo publicitário e as demandas de forças políticas obscuras. Para garantir votos e governabilidade, administrações formalmente renovadoras acatam excrescências ideológicas que prejudicam ou anulam os avanços conquistados. A convivência de opostos exige medidas conciliatórias que terminam gerando híbridos monstruosos. A predominância estatal e o discurso moralizador, quando impregnados pelo retrocesso, transformam-se em instrumentos para políticas repressivas, atrasadas e indignas da cartilha esquerdista.
Muitas dessas metamorfoses nascem de distorções externas aplicadas a iniciativas originalmente razoáveis. Uma ação contra o banditismo tecnológico resulta em censura à internet. A lei que regulamenta a venda de bebidas alcoólicas nas rodovias vira uma forma inconstitucional e autoritária de achaque aos motoristas. A proteção à saúde dos não-fumantes degenera em criminalização do tabagismo.
A base parlamentar frágil e a hostilidade generalizada dos meios de comunicação fazem o governo Lula particularmente vulnerável a tais contaminações. O fenômeno torna-se mais grave porque representa quase sempre um recuo no âmbito das liberdades individuais, que deveriam compor o cerne do ideário progressista moderno.
2 comentários:
Sr. Guilherme Scalzilli, li este artigo na revista Caros Amigos, edição de agosto/2008, e quero parabenizá-lo pela lucidez de tua análise sobre a "Esquerda".
Não vi, nos últimos cinco anos, comentário mais realista do que o teu a respeito da insensatez (ou desfaçatez?) da Esquerda - especialmente a brasileira.
Tua análise é a "mais perfeita tradução" (o plágio é proposital) da sede de Poder que inebriou a cabeça de nossa intelectualidade, dita "esquerdista", nos últimos anos.
E tem mais: a esquerda sempre foi conservadora. Nelson Rodrigues já defendia essa tese, Jabor nela tem insistido, e o insuspeito Zuenir Ventura ressaltou-a, no livro 1968...
Digo tudo isso, mas, destaco: sequer sou "de direita" (existe isso?)
Se me permite, vou incluir na minha página o link do teu blog. Embora sejamos de áreas bem distintas, no fundo, tudo está interligado.
Atenciosamente, e mais uma vez, parabéns,
Marcos Fernandes Gonçalves
Advogado
www.mafergo66.blogspot.com
Assim como o amigo acima, este artigo publicado na Revista Caros Amigos foi o que me levou a me aproximar mais do teu trabalho.
Sempre acho produtivo quando alguém da esquerda prega a auto-crítica, tão ausente em certos militantes. Realmente a esquerda precisa se reinventar, mas não vamos fugir da responsabilidade. Isto cabe a nós, não?
Tomei a liberdade de colocar um link deste blog no meu blog (www.movca.blogspot.com).
Abraço!
MCA
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