sábado, 30 de agosto de 2008

Querem proibir o cigarro

Apoiar o governo José Serra é direito da Folha de São Paulo (e problema de seus leitores), mas a divulgação de mentiras para satisfazer os argumentos do mandatário já equivale a cotovelar a inteligência do povo.
A Folha deu imenso destaque ao projeto de Serra que proíbe o fumo “em locais fechados”, até com manchete na primeira página de ontem (29/8). Há um quadro informativo, no rodapé da capa do caderno Cotidiano, intitulado “Como funciona a restrição ao fumo em alguns países”. Pois o quadro está errado.
Ao contrário do que ele diz, no Uruguai, na Argentina, na Espanha, na Itália e na França, o fumo não é “proibido em locais públicos” ou “em cafés, bares e restaurantes”. Nesses países (como nos restantes da América Latina e da Europa continental), o fumo é permitido em áreas reservadas e/ou nos estabelecimentos devidamente identificados por um selo na entrada. A decisão cabe à clientela e aos proprietários.
Ora, direis, questão menor de semântica. Não. Questão de honestidade. Quem escreveu “restrito” saberia teclar “permitido em”. Tudo que envolve o quadro, inclusive sua própria inserção na matéria, leva o leitor a acreditar que o projeto do governo tem antecedentes generalizados no exterior.
Mas por que a Folha precisa mentir sobre a questão? Porque o projeto de Serra vai na contramão dos avanços realizados nesse mundo “civilizado” que nossas elites tanto procuram imitar. Não, moderneiros tucanos da grande imprensa paulistana, o proibicionismo repressivo não está na ordem do dia, nem para as drogas ilícitas nem para as lícitas. Pelo contrário, a (boa) novidade é justamente descriminalizar, regulamentar, informar e restituir à polícia os devidos afazeres.
Banir indiscriminadamente o cigarro é coisa de cucaracha reacionário. Onde os governantes são realmente avançados, onde há um tiquinho de democracia representativa, os cidadãos são brindados com a possibilidade de escolher seus locais de negócios e lazer, e de mandar nas empresas que administram.
A Folha precisa mentir porque tem vergonha desses espirros autoritários dos seus protegidos. O mesmo ocorreu quando o então ministro Serra ajudou a exterminar o tradicionalíssimo Free Jazz Festival (e quase, também, o Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1). Quantas pessoas Serra conseguiu salvar do vício com sua canetada cigarrofóbica?
As novas restrições contra o tabaco e o álcool inserem-se em contexto repressivo amplo, cujo fundamento é acuar o usuário de qualquer substância, seja tolerada ou não. Tenta-se recriar um ambiente ideológico repressivo para refrear a onda liberalizante já iniciada em setores importantes do Judiciário brasileiro.
O Estado não conseguiu, com suas ridículas campanhas “informativas”, convencer os cidadãos a fugir de substâncias acessíveis em qualquer lar ou esquina. Agora decidiu proibir essas drogas aos poucos. Arranha um direito aqui, outro ali, e em breve a sanção final será comemorada pelos “especialistas consultados pela Folha.”

Nenhum comentário: