Na terça-feira, 17 de fevereiro, a Folha de São Paulo publicou um editorial intitulado “Limites a Chávez”. O objetivo do texto, evidentemente, era atacar a vitória do presidente venezuelano no plebiscito. Nada de novo no repertório do jornal.
Lá pelas tantas, porém, surgiu o seguinte trecho: “as chamadas ‘ditabrandas’ – caso do Brasil entre 1964 e 1985 – partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça (...)”. Não precisa muita sensibilidade para perceber na afirmação um absurdo histórico, cívico, filosófico, ou de qualquer outro caráter possível.
Entre as poucas reações imediatas, houve cartas dos professores Fábio Konder Comparato e Maria Victoria Benevides, na edição de 20 de fevereiro. Uma “Nota da redação”, logo abaixo, afirmava: “Quanto aos professores Comparato e Benevides, figuras públicas que até hoje não expressaram repúdio a ditaduras de esquerda, como aquela ainda vigente em Cuba, sua ‘indignação’ é obviamente cínica e mentirosa”.
O imbróglio nasceu pequeno e costumeiro, típico do conservadorismo incoerente da Folha: o golpe militar no Brasil foi defensável e ameno, mas Chávez e Cuba são inaceitáveis. Também a deselegante resposta aos renomados intelectuais vê-se cotidianamente nas manifestações do jornal. Se Clóvis Rossi pode chamar seus questionadores de “hidrófobos do lulopetismo”, tudo é possível.
Restaria indagar: quem escreveu aquela bobagem autoritária? Algum dos Frias? O mesmo Marcelo Coelho, que depois se destrambelhou todo para “explicar” a patacoada? Ou o indefectível Rossi? Ou ainda, céus!, Jânio de Freitas? Dimenstein?! Cony?!! É fácil espalhar arroubos antidemocráticos quando se está protegido pelo anonimato editorial, certo?
Mas, independente de autorias, o que pensam da tal “ditabranda” não apenas esses comentaristas, mas outras mentes referenciais que abrilhantam o jornal, como Elio Gaspari, Antonio Cicero, Jorge Coli? Por que continuam silenciosos? E, de uma vez por todas, quando haverá um posicionamento inequívoco do ouvidor da Folha, Carlos Eduardo Lins da Silva?
Acontece que o episódio não surgiu gratuitamente. Em meio à histeria envolvendo o caso Cesare Battisti e a consequente vilanização das guerrilhas armadas (visando atingir Dilma Rousseff), o STF prepara-se para julgar se a infame Lei de Anistia deve realmente absolver todos os crimes praticados pela ditadura.
A Folha, que comemorou o golpe e depois forneceu apoio logístico a torturadores e assassinos, manifesta-se continuamente contra a revisão da Anistia, ou seja, contra o julgamento dos bandidos que ela referendou. Como afirmei recentemente, a grande imprensa brasileira tenta pressionar o tribunal com essas ondas de indignação localizada, que, em momento propício, ganharão ares de campanha aberta.
Eis a face verdadeiramente explosiva da polêmica. Assim, ganha importância redobrada o ato público de repúdio à Folha de São Paulo, organizado pelo blogue Cidadania, entre outros, a ser realizado no próximo sábado (sete de março), às 10 horas, diante da sede do jornal, na Alameda Barão de Limeira, 425, em São Paulo.
Durante a semana, voltarei a falar sobre o evento.
3 comentários:
Caro Sr. Scalzilli, cumprimento-te pelo teu último artigo no “Le Monde Diplomatique”. Compartilho de tuas mesmas aflições quanto à resignação do Brasil em relação à impunidade dos militares perpetradores de crimes de lesa-humanidade. Tenho, mesmo, a sensação de que o Brasil perdeu (se é que já teve um dia) sua responsabilidade com a Humanidade, tornando-se cúmplice, inclusive, de crimes de lesa-humanidade sobre seu solo cometidos. Tanto assim que, ultimamente, algo diferente tem me tomado a mente: se nossos esforços para convencer o Brasil a abraçá-la não derem certo, ao menos teremos a certeza de que Ela, no fim das contas, estará do nosso lado. E, em qualquer hipótese, a Humanidade prevalecerá, pois ela é imensamente maior que o Brasil.
Dia 07/03, protestemos!
O PT, o MST e vários "movimentos" estão divulgando o patético e cínico ato. A Folha de São Paulo deveria distribuir aos presentes rapaduras, trazidas especialmente dos canaviais cubanos, onde reina a mais completa liberdade de expressão e onde tanto a rapadura quanto a ditadura são "até bem doces".
Cássio, Cuba não tem nada a ver com a questão. Essa chantagem bobinha, tão ao estilo da Folha, não cola comigo. Ninguém precisa se manifestar sobre todos os regimes autoritários do mundo para condenar a ditadura brasileira e exigir a condenação dos seus criminosos.
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