Publicado no Amálgama.
Comentando a polêmica suscitada pela premiação do último Jabuti, o professor Idelber Avelar indicou a leitura de seu ensaio “Cânone literário e valor estético: notas sobre um debate de nosso tempo”. As conclusões do texto parecem-me irrefutáveis, mas talvez não bastem para analisarmos o episódio em questão.
Idelber ensina que a apreciação da literatura (inclusive a distribuição de prêmios) obedece a repertórios de valores determinados histórica e economicamente. Em vez de imanentes e universais, eles são “contingentes”. Contudo, se não interpretei errado, o autor se baseia na premissa de que os valores que produzem cânones e consagrações críticas, mesmo quando artificiais e exteriores, sempre se manifestam através de discursos “competentes”, aceitos no contexto do universo avaliador. Em outras palavras: quando um jurado vota num livro por causa de sua grife editorial, ele imagina partir de uma motivação estética ou, no máximo, biográfica (mas de base artística).
Acontece que o pacto valorativo que rege os círculos legitimadores da literatura brasileira vem sendo cada vez mais dominado por influências alheias à apreciação especificamente “literária” das obras. Não sei se a “contingência valorativa” explicaria sozinha por que os maiores prêmios literários do país consagram, todo ano, as mesmas três ou quatro casas editoriais, e exatamente aquelas com maior visibilidade midiática. Será que os jurados desses concursos milionários guardam qualquer prurido a respeito? Eles de fato ultrapassam as primeiras dez páginas das edições de autor que lhe chegam às mãos, ou dos livros escritos por concorrentes anônimos? E depois se sentem mesmo constrangidos a pinçar argumentos subjetivos para iluminar a qualidade das obras premiadas?
Ninguém precisa conhecer toda a vastíssima literatura brasileira contemporânea para suspeitar que nem “Leite derramado” (Chico Buarque), nem “Se eu fechar os olhos agora” (Edney Silvestre) merecem disputar um prêmio referencial e consagrador como o Jabuti. São ótimos livros, mas dificilmente os “melhores” publicados no país em 2009/10. Transpor a análise de Idelber para o caso implicaria em ver nele uma simples questão de criteriologia. Apesar dos esforços contrários do autor, seria mesmo como utilizar certo pendor relativista para absolver qualquer absurdo interpretativo: pobre júri, tão condicionado, não sabe o que faz...
Por fim, cabe apontar um incômodo menor, mas também relevante. A crença na inevitabilidade da “contingência valorativa” ajuda a propagar o mito da posteridade consoladora, abraçado por muitos jovens escritores e por gente que (como este humilde escriba) convive há anos com o silêncio de críticos, editoras e concursos. “Escreva: o reconhecimento vem por acréscimo”, sintetiza Idelber no post referido. Mas será que devemos nos contentar com tal... axioma?
Como escritor que só faz labutar contra a (e apesar da) irrelevância do reconhecimento público, afirmo que também esta idéia é condicionada. Claro, quem já recebeu os devidos prêmios pode facilmente relativizar a importância deles. Já o autor que edita a si mesmo e depende apenas do crivo de algum júri renomado para alavancar sua carreira valoriza bastante uma simples menção honrosa. O mesmo serve para inclusões em coletâneas e antologias, entrevistas e outras aparições midiáticas.
Admitir o caráter contingente da apreciação artística não nos impede de questioná-la e muito menos de lutar por um espaço na festa dos jubileus mundanos.
Idelber ensina que a apreciação da literatura (inclusive a distribuição de prêmios) obedece a repertórios de valores determinados histórica e economicamente. Em vez de imanentes e universais, eles são “contingentes”. Contudo, se não interpretei errado, o autor se baseia na premissa de que os valores que produzem cânones e consagrações críticas, mesmo quando artificiais e exteriores, sempre se manifestam através de discursos “competentes”, aceitos no contexto do universo avaliador. Em outras palavras: quando um jurado vota num livro por causa de sua grife editorial, ele imagina partir de uma motivação estética ou, no máximo, biográfica (mas de base artística).
Acontece que o pacto valorativo que rege os círculos legitimadores da literatura brasileira vem sendo cada vez mais dominado por influências alheias à apreciação especificamente “literária” das obras. Não sei se a “contingência valorativa” explicaria sozinha por que os maiores prêmios literários do país consagram, todo ano, as mesmas três ou quatro casas editoriais, e exatamente aquelas com maior visibilidade midiática. Será que os jurados desses concursos milionários guardam qualquer prurido a respeito? Eles de fato ultrapassam as primeiras dez páginas das edições de autor que lhe chegam às mãos, ou dos livros escritos por concorrentes anônimos? E depois se sentem mesmo constrangidos a pinçar argumentos subjetivos para iluminar a qualidade das obras premiadas?
Ninguém precisa conhecer toda a vastíssima literatura brasileira contemporânea para suspeitar que nem “Leite derramado” (Chico Buarque), nem “Se eu fechar os olhos agora” (Edney Silvestre) merecem disputar um prêmio referencial e consagrador como o Jabuti. São ótimos livros, mas dificilmente os “melhores” publicados no país em 2009/10. Transpor a análise de Idelber para o caso implicaria em ver nele uma simples questão de criteriologia. Apesar dos esforços contrários do autor, seria mesmo como utilizar certo pendor relativista para absolver qualquer absurdo interpretativo: pobre júri, tão condicionado, não sabe o que faz...
Por fim, cabe apontar um incômodo menor, mas também relevante. A crença na inevitabilidade da “contingência valorativa” ajuda a propagar o mito da posteridade consoladora, abraçado por muitos jovens escritores e por gente que (como este humilde escriba) convive há anos com o silêncio de críticos, editoras e concursos. “Escreva: o reconhecimento vem por acréscimo”, sintetiza Idelber no post referido. Mas será que devemos nos contentar com tal... axioma?
Como escritor que só faz labutar contra a (e apesar da) irrelevância do reconhecimento público, afirmo que também esta idéia é condicionada. Claro, quem já recebeu os devidos prêmios pode facilmente relativizar a importância deles. Já o autor que edita a si mesmo e depende apenas do crivo de algum júri renomado para alavancar sua carreira valoriza bastante uma simples menção honrosa. O mesmo serve para inclusões em coletâneas e antologias, entrevistas e outras aparições midiáticas.
Admitir o caráter contingente da apreciação artística não nos impede de questioná-la e muito menos de lutar por um espaço na festa dos jubileus mundanos.
Um comentário:
Que podemos nós, míseros escritores anônimos fazer diante disso? Deixar de arriscar, de concorrer nos grandes concursos, já antecipando nossa derrota? Usar estratégias como as que já ensinam por aí, de colocar um pingo de cola na ponta de cada folha, a fim de perceber que nosso livro sequer foi lido? Acho que as duas estratégias levam do nada a lugar nenhum. Sabemos que estas coisas acontecem, que, na maioria das vezes, as cartas estão marcadas, mas, se desistirmos, ou fizermos como alguns, querendo que os autores classificados devolvam os prêmios, estaremos mostrando um sentimento de despeito, algo bem diverso do que devemos sentir ou fazer.
Enfim, não de mãos atadas, mas com a mente e a alma tendo conhecimento das ínfimas chances, devemos, sim, seguir participando e debatendo de forma limpa, como está sendo feita por ti e todos os que te comentarem.
Abraços.
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