Desde seus primeiríssimos curtas silenciosos, a interessante filmografia de François Ozon alterna obras autorais e provocativas com passatempos leves, baseados nos gêneros consagrados da indústria do entretenimento. “Potiche”, comédia romântica de fortes referências musicais, alinha-se ao segundo modelo.
Mas sua aparente superficialidade é enganadora. Se o texto original do veterano Pierre Barillet (dramaturgo bastante adaptado para o cinema) criticava o machismo e a hipocrisia da sociedade francesa, Ozon enriquece-o com duas dimensões inseparáveis de seus filmes, a da sexualidade e a das relações familiares. Além disso, como admitiu o próprio diretor, é impossível não tecer paralelos entre os contextos culturais e políticos da trama, ambientada em 1977, e os da França atual.
O reencontro de Catherine Deneuve e Gérard Depardieu vale o espetáculo, mas quem brilha de fato é Fabrice Luchini, que chega a soar simpático no papel do marido e empresário asqueroso. O filme brinca de imitar seriados e produções B da década de setenta, explorando de forma ostensiva e divertida os cenários, os figurinos e as músicas da época.
Ozon, que passou a infância naquele mundo kitsch e politicamente incorreto, não parece tão interessado em evocá-lo com nostalgia, mas em retratá-lo como um universo quase surreal, incompreensível e ainda assim próximo, conotativo, sedutor. Difícil saber se o que mais constrange o espectador contemporâneo é a distância desses tempos ou a melancólica empatia que provoca.
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