segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A Globo prepara o bote



Declarações de princípios jornalísticos equivalem aos ditames dos manuais de redação que alguns veículos produzem para consumo interno: defendem os melhores critérios técnicos e de conduta profissional, mas ninguém no ramo acredita que eles possam vingar no exercício da labuta cotidiana. Esses documentos contradizem a realidade e a própria natureza do ofício criativo de forma tão descarada que deveriam ser condenados como propaganda enganosa segundo o Código de Defesa do Consumidor.

Além de vender assinaturas e espaço publicitário, no entanto, eles ajudam a reforçar a imagem das empresas quando as coisas vão mal ou prometem piorar. É mania presunçosa e arrogante da imprensa refugiar-se no pedestal dos poderes republicanos sempre que uma parcela representativa da sociedade ousa desafiá-la. A História guarda incontáveis manifestações dessa patologia, seja na forma de notas públicas, editoriais ou colunas opinativas.

À primeira vista, portanto, a manifestação das Organizações Globo refletiria “apenas” uma preocupação institucional diante dos continuados ataques à lisura do seu núcleo de jornalismo, talvez até alavancada por alguma pesquisa de opinião ou pelo crescimento das emissoras concorrentes. Mas as circunstâncias da declaração (ausência de causa objetiva imediata, contexto político estável, leitura solene em horário nobre) indicam motivações menos óbvias e simpáticas.

Parece-me exagerado conferir à nomeação de Celso Amorim na Defesa a capacidade de propulsionar um gesto dessa envergadura. A Globo nunca precisou de explicações prévias para destruir reputações. Tampouco tem o costume de se rebaixar a debates com desafetos individuais, poderosos que sejam. Fiel à lógica de seu alcance (e à imagem que alimenta acerca desse poder), a corporação trabalha visando objetivos de grande envergadura. Manipular eleições, por exemplo. Ou derrubar governos.

Já que nenhum parlamentar convocará a empresa para esclarecer por que decidiu, após quase meio século de existência, bravatear um compromisso que deveria ser obrigatório e permanente em toda concessão pública, resta-nos juntar estoques de alho, água benta e balas de prata, lacrar portas e janelas e encolher diante da televisão, esperando chegar o Dito Cujo.

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