segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Tragédias

















Costumo evitar matérias que exploram casos tenebrosos como o de Santa Maria. Há sempre um ranço oportunista e apelativo nessas coberturas jornalísticas. Como se já não fosse bastante difícil conciliar relato factual, investigação, denúncia e utilidade pública, os veículos insistem numa abordagem emotiva, de aparência humanitária, que apenas disfarça a velha e má espetacularização da dor alheia.

Não sei, felizmente, até que ponto as famílias enlutadas ganham consolo em ver os perfis das vítimas expostos ao público. Mas conhecê-los ajuda pouco na apreensão crítica do episódio, para além do pessimismo e da incredulidade religiosa que os absurdos rotineiros já alimentam. Entre o solidário e o mórbido (nas suas diversas patologias inconscientes) repousa o discreto e irresistível gatilho da curiosidade. Incitá-la é uma estratégia no mínimo irresponsável.

Parece que os relatos procuram nos convencer de que o caso é grave porque poderia ter envolvido gente próxima de nós. Desconfio desse alarmismo baseado na hipótese de que “os nossos semelhantes” frequentavam a boate Kiss. Será que teríamos tantos detalhes biográficos e folhetinescos se o incêndio ocorresse numa quadra de pancadão em Realengo?

Mesmo os números da mortandade, apesar da indiscutível relevância, têm ganhado um peso que no limite se revela apenas sensacionalista. Admitindo a premissa de que duzentas e tantas mortes simultâneas representam duzentas e tantas desgraças isoladas, unidas por contingências várias, devíamos ter idêntica atitude perante as centenas de vítimas da estultice administrativa de Geraldo Alckmin, por exemplo. Os casos individuais cotidianos ficam menos sérios, estúpidos e inaceitáveis porque ocorreram em circunstâncias díspares?

Resta-nos a constatação de que, novamente, uma tragédia poderia ser evitada se algumas pessoas fizessem seus trabalhos de maneira séria, honesta e rigorosa. Insufladas pela mídia cínica, as autoridades agora brincam de fazer o que sempre lhes pagamos para fazerem, deixando outros tantos focos de perigo iminente à espera de suas próprias catástrofes.

Um comentário:

Anônimo disse...

Uma tragédia evitada é uma tragédia inexistente. Logo...