Costumo evitar
matérias que exploram casos tenebrosos como o de Santa Maria. Há sempre um
ranço oportunista e apelativo nessas coberturas jornalísticas. Como se já não
fosse bastante difícil conciliar relato factual, investigação, denúncia e
utilidade pública, os veículos insistem numa abordagem emotiva, de aparência
humanitária, que apenas disfarça a velha e má espetacularização da dor alheia.
Não sei, felizmente, até
que ponto as famílias enlutadas ganham consolo em ver os perfis das vítimas
expostos ao público. Mas conhecê-los ajuda pouco na apreensão crítica do
episódio, para além do pessimismo e da incredulidade religiosa que os absurdos rotineiros
já alimentam. Entre o solidário e o mórbido (nas suas diversas patologias
inconscientes) repousa o discreto e irresistível gatilho da curiosidade.
Incitá-la é uma estratégia no mínimo irresponsável.
Parece que os relatos
procuram nos convencer de que o caso é grave porque poderia ter envolvido gente
próxima de nós. Desconfio desse alarmismo baseado na hipótese de que “os nossos
semelhantes” frequentavam a boate Kiss. Será que teríamos tantos detalhes biográficos
e folhetinescos se o incêndio ocorresse numa quadra de pancadão em Realengo?
Mesmo os números da
mortandade, apesar da indiscutível relevância, têm ganhado um peso que no
limite se revela apenas sensacionalista. Admitindo a premissa de que duzentas e
tantas mortes simultâneas representam duzentas e tantas desgraças isoladas, unidas
por contingências várias, devíamos ter idêntica atitude perante as centenas de vítimas da estultice administrativa de Geraldo Alckmin, por exemplo. Os casos
individuais cotidianos ficam menos sérios, estúpidos e inaceitáveis porque
ocorreram em circunstâncias díspares?
Resta-nos a
constatação de que, novamente, uma tragédia poderia ser evitada se algumas
pessoas fizessem seus trabalhos de maneira séria, honesta e rigorosa.
Insufladas pela mídia cínica, as autoridades agora brincam de fazer o que
sempre lhes pagamos para fazerem, deixando outros tantos focos de perigo iminente à espera de suas próprias catástrofes.
Um comentário:
Uma tragédia evitada é uma tragédia inexistente. Logo...
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