segunda-feira, 11 de março de 2013

O fim da meia-entrada


















Publicado no Amálgama

Nos próximos meses, o poderoso lobby do espetáculo arrancará do Congresso um limite de 40% para os lotes destinados à meia-entrada obrigatória. Em médio prazo, a mudança terminará causando o extermínio do benefício, pois não há instrumentos precisos para uma aferição externa dos ingressos vendidos pela metade do valor nominal. Ou alguém contabilizará e conferirá bilhões de canhotos retidos pelas bilheterias do país, ou deveremos confiar na palavra dos vendedores. Independente do duvidoso respeito à cota, porém, a limitação de um direito por demanda empresarial deveria submeter-se a debate público de mínimas proporções.

De fato, existe muita fraude na expedição de credenciais estudantis. A disseminação do desconto esvazia sua própria natureza excepcional, causando prejuízo desmesurado a parcela minoritária dos espectadores. Os fundamentos educacionais do benefício foram descaracterizados ao incluir eventos esportivos alheios a esse caráter, particularmente os jogos de futebol profissional. Seu escopo inclusivo também perdeu relevância, pois a abrangência a todas as categorias sócio-econômicas reproduz os privilégios existentes no acesso às instituições de ensino e no próprio consumo de bens culturais.

Mas esses defeitos seriam corrigidos de forma bastante satisfatória através de uma consolidação nacional de regras baseadas em critérios coerentes com os propósitos originais da idéia. Bastaria enfocar beneficiários de programas sociais, alunos de escolas públicas e aposentados que recebem as menores faixas de rendimentos. Talvez até fosse o caso de isentar eventos que já oferecem alguma alternativa promocional fixa, como os planos de fidelidade que atraem torcedores aos estádios, incentivando modalidades afins nas outras áreas.

Para retribuir tanta gentileza, demonstrando a nobreza de suas intenções, os empresários aceitariam que o mimo incluísse algumas contrapartidas de cunho republicano. As mais urgentes visariam sanar as cotidianas e impunes violações de direitos do consumidor praticadas por casas de espetáculos e bilheterias virtuais. Seria uma ótima chance de moralizar as infames taxas de “conveniência”, as vendas antecipadas, a superlotação e os atendimentos à clientela por telefone e internet.

Acontece que os exterminadores de direitos não estão interessados em democratizar o acesso à cultura ou em consolidar ferramentas básicas de cidadania. E nada evidencia melhor a ganância e o oportunismo dos seus esforços quanto o principal argumento usado para demonizar a meia-entrada: o de que os ingressos para espetáculos realizados no Brasil são exorbitantes (reconhecidamente superiores às médias encontradas no resto do planeta) por causa da suposta universalização do benefício.

Qualquer associação entre a verba das bilheterias e os gastos dos produtores distorce a rotina da atividade. Eventos de grande apelo midiático desfrutam de patrocínios e permutas de várias espécies, além das taxas pagas pelos fornecedores de bebidas, alimentos e serviços. Atrações internacionais costumam cercar-se de amplo suporte corporativo, exigindo parceiros locais para suprir riscos financeiros e necessidades logísticas da turnê. Depois que essa engenharia foi posta em funcionamento, quase tudo que o espectador paga vira lucro, disfarçado sob diversas rubricas de “remuneração”.

É leviano, portanto, afirmar de antemão que o fim da meia-entrada acarretaria a queda automática e equivalente dos preços. Sempre haverá inúmeros vilões a culpar, da famigerada carga tributária aos cachês milionários. E são dados imponderáveis, resguardados sob exigências contratuais e muitos sigilos estranhos, que evidenciam os limites da transparência defendida pelos empresários.

Já que a lei não pode incluir exigências quanto ao resultado prático da mudança, a cota de 40% abre caminho para um logro irreversível.

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