Publicado no Amálgama
Nos próximos meses, o poderoso lobby do espetáculo
arrancará do Congresso um limite de 40% para os lotes destinados à
meia-entrada obrigatória. Em médio prazo, a mudança terminará causando o extermínio do benefício, pois não há instrumentos precisos para uma
aferição externa dos ingressos vendidos pela metade do valor nominal. Ou alguém
contabilizará e conferirá bilhões de canhotos retidos pelas bilheterias do
país, ou deveremos confiar na palavra dos vendedores. Independente do duvidoso
respeito à cota, porém, a limitação de um direito por demanda empresarial
deveria submeter-se a debate público de mínimas proporções.
De fato, existe muita fraude na expedição de
credenciais estudantis. A disseminação do desconto esvazia sua própria natureza
excepcional, causando prejuízo desmesurado a parcela minoritária dos
espectadores. Os fundamentos educacionais do benefício foram descaracterizados
ao incluir eventos esportivos alheios a esse caráter, particularmente os jogos
de futebol profissional. Seu escopo inclusivo também perdeu relevância, pois a
abrangência a todas as categorias sócio-econômicas reproduz os privilégios
existentes no acesso às instituições de ensino e no próprio consumo de bens
culturais.
Mas esses defeitos seriam corrigidos de forma
bastante satisfatória através de uma consolidação nacional de regras baseadas
em critérios coerentes com os propósitos originais da idéia. Bastaria enfocar
beneficiários de programas sociais, alunos de escolas públicas e aposentados
que recebem as menores faixas de rendimentos. Talvez até fosse o caso de
isentar eventos que já oferecem alguma alternativa promocional fixa, como os
planos de fidelidade que atraem torcedores aos estádios, incentivando
modalidades afins nas outras áreas.
Para retribuir tanta gentileza, demonstrando a
nobreza de suas intenções, os empresários aceitariam que o mimo incluísse
algumas contrapartidas de cunho republicano. As mais urgentes visariam sanar as
cotidianas e impunes violações de direitos do consumidor praticadas
por casas de espetáculos e bilheterias virtuais. Seria uma ótima chance de
moralizar as infames taxas de “conveniência”, as vendas antecipadas, a superlotação e os atendimentos à clientela por telefone e internet.
Acontece que os exterminadores de direitos não
estão interessados em democratizar o acesso à cultura ou em consolidar ferramentas
básicas de cidadania. E nada evidencia melhor a ganância e o oportunismo dos
seus esforços quanto o principal argumento usado para demonizar a meia-entrada:
o de que os ingressos para espetáculos realizados no Brasil são exorbitantes (reconhecidamente
superiores às médias encontradas no resto do planeta) por causa da suposta universalização
do benefício.
Qualquer associação entre a verba das bilheterias e
os gastos dos produtores distorce a rotina da atividade. Eventos de grande
apelo midiático desfrutam de patrocínios e permutas de várias espécies, além
das taxas pagas pelos fornecedores de bebidas, alimentos e serviços. Atrações
internacionais costumam cercar-se de amplo suporte corporativo, exigindo parceiros
locais para suprir riscos financeiros e necessidades logísticas da turnê.
Depois que essa engenharia foi posta em funcionamento, quase tudo que o
espectador paga vira lucro, disfarçado sob diversas rubricas de “remuneração”.
É leviano, portanto, afirmar de antemão
que o fim da meia-entrada acarretaria a queda automática e equivalente dos
preços. Sempre haverá inúmeros vilões a culpar, da famigerada carga tributária aos
cachês milionários. E são dados imponderáveis, resguardados sob exigências
contratuais e muitos sigilos estranhos, que evidenciam os limites da
transparência defendida pelos empresários.
Já que a lei não pode incluir exigências quanto ao
resultado prático da mudança, a cota de 40% abre caminho para um logro
irreversível.
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