A nova legislação sobre o trabalho doméstico muda
pouco o tratamento judicial conferido à categoria. Há pelo menos quinze anos os
tribunais têm admitido os direitos reivindicados na área, apesar da falta de
regulamentação, sem suscitar grandes controvérsias.
O espanto da mídia corporativa reflete uma
frustração inconfessa do cinismo hipócrita da moda, que exige apenas a honestidade alheia. Todos sempre souberam que seus empregados tinham as mesmas
prerrogativas de qualquer trabalhador, mas agora (com um atraso muito
característico da nossa cultura patriarcal) os falsos moralistas ficam ainda
mais semelhantes aos vilões do noticiário político.
Um benefício secundário da mudança é mergulhar a
opinião pública na dura realidade das pequenas e médias empresas do país.
Onerados por tributos, encargos e taxas corporativas irracionais, os empregadores
são reféns de uma legislação que beira a inviabilidade econômica e sofrem
prejuízos muitas vezes injustos, provocados pela tendência das cortes trabalhistas
decidirem de maneira favorável ao reclamante. Os nobres jornalistas, legisladores
e magistrados conhecerão na pele essas desventuras kafkianas e talvez comecem a
repensar certos paradigmas jurídicos e tributários que vigoram nos setores
produtivos.
Exemplo entre muitos: o chamado “horário
britânico”, registro uniforme (geralmente arredondado) para a entrada e a saída
do local de trabalho. Hábito comum quando o funcionário preenche e assina uma
folha de ponto, como ocorrerá na esmagadora maioria dos casos. Acontece que um
documento com tais características é ignorado pela Justiça em reivindicações de horas extras não remuneradas. Nessas circunstâncias, se
um ex-empregado reclamar o pagamento de quatro horas diárias, por todos os dez anos
de serviço, ele será prontamente atendido. Para evitar o risco, as famílias
precisarão comprar relógios de ponto ou policiar rigorosamente os rabiscos no caderninho.
E jamais perdê-lo.
Talvez a inevitável turbulência judicial venha a
provocar desonerações e múltiplas bondades visando apaziguar os lares
convulsos. É mais provável, porém, que a situação dos trabalhadores fique próxima
à atual: informalidade, acordos espúrios, fraudes previdenciárias. Com o
agravante de alimentar a terceirização e as “pessoas jurídicas” individuais,
que já dominam o mercado de trabalho regulamentado.
Quer dizer então que a emenda é indesejável? Óbvio
que não, muitíssimo pelo contrário. Ela apenas está longe de representar a inovação
prometida, porque se baseia numa estrutura obsoleta e incoerente, que não
consegue mais sobreviver em outros ramos laborais com tamanha abrangência e as
mesmas fragilidades.
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