Publicado no Outras Palavras
A adesão das comunidades locais às campanhas para
sediar os jogos da Copa do Mundo explica a falta de resistência articulada, nos
âmbitos e prazos adequados, que impedisse a construção de arenas. O apelo
tardio às tais prioridades do país visa o núcleo social do apoio que o evento desfruta
nas regiões contempladas, como prova o recurso populista de culpá-lo pela
preservação de carências infra-estruturais que afetam os mais pobres.
É impossível afirmar que a inexistência do torneio
traria verbas a setores historicamente desprezados, ou que o simples aporte
financeiro resolveria o acentuado caráter gerencial da penúria. Por
outro lado, as contrapartidas positivas geradas pela Copa vão muito além dos R$140 bilhões que ela injetará na economia do país. Basta imaginar o que
seria hoje das nações européias em crise, por exemplo, sem as heranças
educativas e sociais legadas pela indústria do turismo.
A demonização do investimento estatal na Copa ignora
certas características essenciais da economia brasileira. O esforço para
federalizar a imagem do dinheiro público envolvido inclui até empréstimos do
BNDES, incentivos fiscais e subsídios da União, mecanismos que viabilizam os
mais variados setores produtivos. Mesmo assim, a esmagadora maioria dos
recursos vem de governos estaduais e municipais, sendo que em nove dos doze estádios
a privatização do ônus é praticamente certa.
Mas há outras estupendas apropriações do erário,
cotidianas e afrontosas, que escapam aos defensores de escolas e hospitais. Ocorrência
menor, da seara esportiva: os R$ 5 bilhões devidos em tributos pelos
“grandes” clubes de futebol. O quíntuplo do que é tido como escandaloso nas
isenções do governo federal à Copa. Por que ninguém faz barricadas para impedir
os jogos do Campeonato Brasileiro, manipulado pela TV Globo a favor
desses mega-devedores e de seus elencos milionários?
Os torcedores indignados, principalmente os da crônica esportiva, vivem aplaudindo os membros dos cartéis organizados
pela CBF, e agora repudiam os parcos benefícios que o banditismo futebolístico
pode retribuir à coletividade. Esbravejam contra a FIFA, mas prestigiam a seleção midiático-empresarial que ela explora e financia. Vaiam os organizadores da festa e continuam fiéis a sua mitologia patriótica.
As manifestações críticas à Copa estão se
afastando de pautas exeqüíveis, coerentes e representativas. A desmoralização
do evento possui óbvias conotações institucionais, que apenas favorecem a
arrogância exploratória de Joseph Blatter. A radicalização inconseqüente e os
argumentos simplistas atraem contaminações ideológicas que não têm
nada a ver com as necessárias denúncias de governos, empresas e cartolas. O
máximo que piquetes em rodovias e estádios conseguem é prejudicar cidadãos e alimentar
oportunistas que usam a mentira, o caos e o medo como estratégias eleitorais.
A polarização entre os apologistas do torneio
criminoso e os visionários republicanos que o rejeitam é falsa e manipuladora. Não
há contradição em defender uma Copa organizada, limpa e transparente, a valorização
do turismo, o respeito à educação, à saúde e aos direitos humanos. Um pouco de inteligência
nos debates ajudaria a agregar todas essas demandas legítimas. Mesmo que
nenhuma delas prospere, já seria uma prova de maturidade política.
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