É necessário questionar certos discursos, tidos
como “progressistas”, que se apressam em justificar as conseqüências negativas
de qualquer manifestação pública. Segundo eles, a atribulação dá visibilidade a
setores e pautas historicamente menosprezados, arrancando os acomodados da
letargia egoísta, os governantes do conforto insensível, a mídia do silêncio
conivente. Não há transformação coletiva, afirmam, sem sacrifícios individuais.
Concordo. Mas também me parece que o foco de
alguns protestos passou a incidir mais nos danos infringidos à população do que
nos constrangimentos possíveis aos detentores de cargos públicos. Embora exista
óbvia força persuasiva na paralisação caótica da metrópole, é difícil enxergar
o mesmo resultado em outros bloqueios da mobilidade geral. Estradas e
aeroportos, por exemplo.
Em tempos de radicalismos generalizados, sempre há
espaço para a tola demonização do transporte particular, e mesmo para a estratégia
de disseminar prejuízos e tormentos sem exigências viáveis ou abertura de canais
de negociação. Mas o que esses equívocos materializam, em termos de conquistas
sociais práticas, é nulo.
Táticas inconseqüentes revelam pautas vazias. Apenas
o radicalismo obtuso se satisfaz com o transtorno pelo transtorno. Sua
motivação é a simples capacidade de causar problemas e receber eventual
cobertura noticiosa. Ele não precisa de grandes mobilizações, pois uma centena
de malucos incendiando lixo pode fechar qualquer rodovia. Não precisa,
portanto, de representatividade.
Além da perigosa pauta genérica, os novos
protestos começaram a embutir uma idéia de naturalização do efeito colateral
nocivo, que de trivial passa a frustrante e assim precisa se tornar cada vez
mais acirrado e gratuito. O pretexto de “vingar” o sofrimento físico das
populações carentes cria um círculo vicioso absurdo, que perpetua a barbárie em
vez de combatê-la. A violência policial vira resultado inevitável das
manifestações, contraditoriamente alimentadas pela própria ação repressiva que
orgulhosamente provocam.
Há algo muito errado num espírito reivindicatório
que se planeja com a presunção do conflito e do prejuízo, em detrimento de verdadeiras
conquistas democráticas.
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