As propostas do movimento “Procure Saber” soariam
razoáveis se ficassem restritas a uma porcentagem de remuneração para os
biografados. Embora concorde com as reflexões de Luiz Fernando Vianna sobre o
falso aspecto financeiro da polêmica, tendo a relativizar suas premissas. O
usufruto comercial da imagem e da obra de uma pessoa, mesmo que o rendimento
seja irrisório, não poderia ficar imune a contrapartidas justas.
Mas as boas intenções da plataforma desmoronam
quando ela defende o veto a biografias não-autorizadas. Isso é contraditório
com a liberdade de expressão. Se preciso da autorização de alguém para publicar
um trabalho, como essa atividade pode ser considerada livre? E desde quando a
divulgação do conhecimento precisa agradar a valores e conveniências
individuais?
A idéia dos direitos limitados e relativos é deturpada,
como sempre, para embasar os argumentos proibicionistas. Ela poderia igualmente
servir para submeter a figura individualista da privacidade a uma cláusula
constitucional que salvaguarda a essência do regime democrático, e tem,
portanto, alcance coletivo e soberano. O mesmo acontece nos exemplos
estrangeiros, que só servem quando convenientes às causas em disputa.
Essa maleabilidade no uso da esfera privada já anuncia,
ela própria, riscos inaceitáveis. Não há denúncia, análise, testemunho ou
citação que escape a critérios coringas de blindagem contra o interesse público.
Levada a extremos, ela terminaria impedindo a prática do jornalismo;
condicionada por eventualidades diversas, como ocorre hoje, afronta o princípio
da isonomia.
Cabe ressaltar que inexiste qualquer respaldo
legal à censura. Ela ocorre no Judiciário, por causa de leituras equivocadas de
normas e doutrinas, num ambiente de insegurança jurídica provocado pela covardia
do Supremo Tribunal Federal. O recurso às filigranas textuais que originam essa
confusão e à retórica ambígua deixa o “Procure Saber” com um aspecto retrógrado
e populista.
É delicado tomar posições numa querela que envolve
talentos artísticos de variáveis grandezas, intermediários pedantes e corporações
de discurso bondoso. Como lembrou Caetano Veloso, a mesma Folha de São Paulo
que esmagou um blog que a ironizava agora aparece como defensora das
publicações impedidas pela Justiça.
Mas precisamos refletir sobre o absurdo prejuízo
cultural, denunciado com propriedade por Benjamin Moser, que impede o país de
construir sua história. É esse direito que está em discussão.
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