É exagero transformar a polêmica das biografias num
debate sobre a liberdade de expressão e a privacidade. Esses temas sempre foram
e continuarão relevantes, mas possuem uma complexidade e uma amplitude que não
promete respostas incontroversas. Aplainadas certas asperezas autoritárias e
certos exageros sensacionalistas, cedo ou tarde se chegará à conclusão de que a
via possível para resolver as animosidades passa pela maneira de regulamentar a
exploração econômica da vida privada.
Não deveria ser tão difícil para os lados
antagônicos conciliarem seus interesses mercantis. Chico Buarque, Gilberto Gil
e Caetano Veloso são exemplos positivos, talvez pioneiros, de artistas que
souberam administrar legados e imagens, impedindo apropriações oportunistas. E
os profissionais competentes que sobrevivem a soldo da mídia corporativa participam
da mesma estrutura mercadológica que opera a serviço dos artistas, comercializando
produtos intelectuais de naturezas muito similares.
As mudanças no Código Civil incomodam os famosos também
porque ameaçam anular as ambigüidades que ainda servem de pretexto moralmente
aceitável para se vetar uma obra cujos produtores não aceitaram repartir
dividendos. Conceitos vagos como “a honra, a boa fama ou a respeitabilidade” garantem
que um juiz será sensibilizado pela ameaça dos segredos de alcova que toda
biografia previsivelmente conterá.
Mas não há solução doutrinária que satisfaça a
todos. Prevalecendo a proteção da intimidade, o país continuará impedido de
construir sua história recente – inclusive nas áreas política e institucional,
pois a noção do que é “público” varia de acordo com o que se pretende esconder
ou revelar. Prevalecendo a livre expressão, o refreamento de abusos continuará
a cargo de um Judiciário tendencioso e incompetente.
É inútil acirrar a legislação no que tange aos
danos morais e afins. Isso provocaria uma nova insegurança jurídica, pois a
brandura decepcionante do recém-aprovado projeto do direito de resposta parece
irreversível. Além disso, mecanismos legais de aspirações fascistóides
repetiriam certas canetadas que tentam radicalizar o alcance punitivo de normas
que ninguém obedece: levariam à radicalização da própria impunidade.
Bastaria que o Judiciário (com o apoio do omisso
STF) passasse apenas a cumprir as regras existentes de proteção ao logro
malicioso, metendo as multas exemplares que as Vejas da vida merecem há tempos.
Se for necessário mudar a lei, uma contrapartida financeira, substituindo as
abstrações vigentes, daria solidez à atividade criativa e de certa forma
compensaria o inevitável devassamento da privacidade.
Mas vai demorar muito até que os grandes veículos e
as editoras adotem a bandeira da efetiva punição da mentira.
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