Publicado no Amálgama
Shopping centers oferecem facilidades
indiscutíveis, além de concentrarem as únicas salas de cinema (e, cada vez
mais, também os teatros) que ainda restam nas grandes cidades. Um debate
responsável sobre eles deveria considerar seu papel na atenuação da tragédia
urbanística e na salvaguarda de atividades culturais e sociais que, por
diversos motivos, ficaram inviáveis nas ruas.
O problema dos shoppings é funcionarem à margem
das leis, praticando arbitrariedades e abusos tão comuns que já foram
incorporados à normalidade consumista. Só os preços cartelizados e a cobrança dos estacionamentos, para não mencionar o asseio das cozinhas
e dos sanitários, renderiam investigações barulhentas. Mas os frequentadores têm
preguiça de reclamar, o Ministério Público não faz nada e os raros berros dos
Procons silenciam nas liminares manjadas que os infratores arrumam.
Boa parte da impunidade dos estabelecimentos vem do
pretexto de serem espaços privados, cujas regras o cidadão escolheria acatar. Esse
conceito de “privado” é tão distorcido quanto o de “público” usado por energúmenos
para destruir bens e espaços de uso coletivo. O cliente financia shoppings e
empresas agregadas assim como os contribuintes mantêm os governos. Existem contrapartidas semelhantes nessas relações, no mínimo porque certos
bens e serviços fundamentais encontram-se inexoravelmente mercantilizados. Por
isso várias teorias jurídicas reconhecem no Direito do Consumidor um
caminho para o próprio exercício da cidadania.
Se alguém precisa medir a extensão do problema,
basta observar o desembaraço com que os centros de compras selecionam os
visitantes. Não é prática nova ou localizada. Há décadas os brucutus engravatados da “segurança” barram a entrada de pessoas por causa das
roupas que usam e da sua aparência física. Chegam a interrogar suspeitos, a
constranger inocentes e a expulsar os indesejáveis. Às vezes no tapa.
Nenhuma surpresa, portanto, no desrespeito aos
rolezeiros. A novidade dos casos recentes é que o hábito discriminatório dos
empresários escancarou-se ao ponto de mobilizar juízes (sempre eles, não é
mesmo?), levando inclusive à censura de manifestações na internet e à violência
policial. E não se trata de matéria incontroversa, quer dizer, a demofobia que seduz
a consciência de alguns magistrados poderia ser prontamente rechaçada com um mínimo de sensibilidade e espírito democrático.
Há racismo nas medidas criminalizantes sim, mas o
que as norteia mesmo é nojo de pobre. Uma tentativa de preservar intocado o
ambiente de convívio e lazer dos abonados, a salvo dos “filhos do Lula” que
indignam as boas famílias com seus meios rudimentares de ostentação e suas ousadias
civilizatórias. Exemplos dessa velha cultura segregacionista brotam aos
milhares nos comentários das redes sociais, repetindo os jargões dos ataques contra
os programas inclusivos do governo federal. Bolsa Família e rolezinhos têm os
mesmos inimigos.
Mas devemos tomar cuidado para não misturar os sentidos
sociológicos ou políticos da reação intolerante com os do fenômeno em si. Os
anseios da juventude que mora nas periferias ultrapassam generalizações
oportunistas. O excesso de especulação teórica da esquerda e a partidarização histérica
incentivada pela direita obscurecem o desafio prático de sanear as relações de consumo, cuja imoralidade favorece os descalabros de tantos episódios
semelhantes. As irregularidades cometidas nos shoppings precisam ser
confrontadas sem o ranço antiburguês de uns e a hipocrisia liberalizante dos
outros.
A insistência na excepcionalidade dos rolezinhos é
perigosa, pois ajuda a reproduzir a lógica do preconceito, que parte justamente
de uma visão diferenciadora dos seus integrantes. Se os jovens fossem vistos apenas
como os consumidores que são (ou tentam ser), tudo ganharia uma transparência
muito mais veemente e provocativa.
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